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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

UM MIMO DE TELEFONE




Desde seu nascimento nos idos dos séculos passados, era tido como essencial. Eram poucos os que o tinham em casa, mas nos imprevistos quebrava um galho danado. Este da qual especificamente vou me referir é um modelo antigo, pesadão, mas muito bonito. Se estivesse à venda custaria uma boa grana devido a sua estética retrô.

A família que agora o possuía, tinha-o como peça a ser apresentada com louvor. Uma espécie de relíquia.
Entretanto, nos últimos tempos o aparelho estava ganhando vida. Sua beleza, numa espécie de fanatismo pelos donos, lhe trazia um ar um tanto arrogante. E não é que realmente o danado sabia dessa estranha admiração?

Era um telefone do tipo imponente na aparência. Provavelmente teria passado por mãos importantes e ricas que o adquiriram no auge de seu lançamento. Com o tempo assimilou essas características como qualidades, não como defeitos.

O fato é que se recusava a fazer as ligações que lhe eram solicitadas. No começo, permanecia mudo como criança que não responde ao chamado do pai. Podia-se notar certo biquinho ou beicinho em se bocal como forma de mostrar sua chateação.
Fosse só isso, até daria para relevar, pois um bom ajuste resolveria. Levaram-no para o conserto com todos os pré-requisitos de cuidado e atenção. Voltou menos birrento, não tão arrogante, talvez por medo de ser substituído. Mas quando notou que ainda era o rei do pedaço, sua auto-estima em elevada dose retornou à ação.
Só que dessa vez com delírios absurdos. A ponto de resolver tomar voz própria e explicitar os motivos de sua recusa. Uma vez, na qual era necessário com urgência, ele simplesmente impostou sua voz de máquina e disse claramente:

- Ligação recusada, seu pedido não é uma ordem e também tenho direitos a me recusar a fazer o que de mim querem. Respeito é bom e eu gosto. Aguarde oportunidade de espera de cinco horas para próxima tentativa. Obrigado.

Mediante a emergência do caso, pois a esposa estava grávida e prestes a ter a criança, o pai pensou se tratar de uma voz do outro lado da linha. Custou a acreditar. Retornou a ligação:
- Onde já se viu tamanho disparate! Como podem me dar uma resposta tão descabida.

O telefone nem lhe dava sinal. Adquirira, não se sabe como, vontade própria. E que vontade! Novamente a resposta:
- Não sou seu empregado. Estou cansado e muito ocupado com meus afazeres, tenho que me manter belo apesar de minha idade; e a beleza para mim é essencial. Não posso ficar desgastado, só porque precisam de minhas funções. De agora em diante estipularei horários de uso.

No absurdo da resposta, o homem se recusou a pensar no que possivelmente estava acontecendo. Saiu às pressas para resolver a urgência do nascimento do herdeiro.

Agora, sozinho, o telefone conjecturava seu futuro. Sua personalidade estava desenvolvendo medo em ser abandonado pelo nascimento da criança. Todas as atenções estariam voltadas para o bebê. Cheios de artimanhas para chamar a atenção, mais que ele em sua imobilidade de canto de mesa.

Não resolveria somente a voz, para determinar seu protesto. Isso não bastaria e também sabia que seria descartado de qualquer jeito. Assim pensava em seu ego de objeto ofendido.
Tinha que andar, tinha que dar seus primeiros passos para seu fim. Como o faria. O esforço foi tão grande que ao esboçar um pequeno movimento espatifou-se no chão.

Quando a família retornou, uma poça de sangue escorria de seu corpo inerte na qual exibia seu coração partido...


Andreia Cunha











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