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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

DESESCREVENDO-SE







Escrever não era lá a sua praia principalmente quando era pega de surpresa pela professora que sempre pedia algo geralmente para nota. Suava frio mediante a possibilidade do que viria de seu pensamento totalmente diferente ao que sairia no papel.

Era frustrante lidar com essas diferenças gritantes. O pensamento sempre era rápido e o que nele vinha era lindo, mas ao transpassa-lo para o real... Ficava com a sensação de ser incapaz de escrever.

Naquele dia, era uma tal de auto descrição. Não se achava linda e, por isso mesmo, evitava os espelhos. Obviamente, possuía qualidades, mas por uma questão de educação primitiva via mais o que lhe era considerado um erro com um enorme X em vermelho.

- E agora?

Nada era como imaginava e o suor mais frio do que os anteriores brotava-lhe do corpo. Teria que escrever sobre si e analisar-se em um tempo recorde de uns 50 minutos pra menos.

-Humanamente impossível...

Ela e o papel travavam uma luta insana na qual venceria com certeza o papel que deveria ser entregue ao toque do sinal ao final. Ali estaria resguardada sua imagem verbal para ser invadida pela professora que a avaliaria.

Seria enfim digna de um 10 para a vida? Como seria vista após essa auto descrição? Nada lhe era tão pior que aquela dúvida cruel pesando em sua mente cansada com a passagem do menino tempo rindo de sua cara ansiosa juntamente com o caderno que parecia agora tomar o sorriso do ator estampado na capa em sarcasmo espetando-lhe a pele.

Resolveu escrever. Colocou tudo ao contrário do que era. Colocou-se bela na aparência, valorizando tudo o que em si achava feio revertendo-o para maravilhoso. Agora quem ria era ela enquanto o papel mortificado como deveria sempre estar derramava algumas gotas da tinta que em si parecia derreter.

O que tinha acontecido com ela? Parecia ter sido tomada por uma entidade que havia dito: ‘Ei enfim chegou a sua vez... Relaxe.’ Psicologicamente, ressaltou qualidades que gostaria de ter, mas não sabia se as possuía por total falta de experiências.

Na conclusão, algo inusitado reafirmou a tese lá escancarada lá no primeiro parágrafo.

Só mesmo a última frase em Post Scriptum é que foi um ato de coragem insana que ela teria que colocar:

‘Olhe professora, tudo o que escrevi não me parece ser eu. Creio que tudo é uma grande e imensa mentira’.

ASSINADO: ELA MESMA COM TODAS AS LETRAS MAIÚSCULAS.

Parece que a professora gostou e ela enfim teve um 9 como resposta, afinal 10 só mesmo para os deuses.
 
Andreia Cunha





terça-feira, 28 de agosto de 2012

DE CAVERNAS A CONCHAS




Ao tentar me livrar dos grilhões que me acorrentavam àquele lugar, deparei-me com um espelho. Não era bem um espelho, mas um pedaço de metal que parecia me refletir ainda que toscamente. Assustei-me, pois sempre achei que por ser um local escuro não o veria e talvez por isso, por instantes, pensei se tratar de outra pessoa. Não me reconheci de cara... Óbvio devido há tanto tempo sem me observar como realmente era ou estava.

Ao me aproximar e tocar-lhe o metal frio percebi o quanto estava adormecida dos sentidos que podem salvar uma alma do inferno das anestesias mundanas. Engraçado mesmo foi ter de lidar com isso e assim presa pelos resquícios de correntes quebradas ainda ter de sair carregando o novo objeto revelador.

Não, tudo o que pensava estava confuso... Não era precisamente um sair para fora... Assim mesmo com pleonasmo. Eu, naquele momento, deveria adentrar-me para observar atentamente o que me era sem erros no refletido primitivo do metal. Precisava da luz externa e dos caminhos internos. Subir e afundar em meu ser absurdo para pôr fim aos grilhões que ainda me detinham aos preceitos e preconceitos das fôrmas do universozinho que até então me fora ensinado como real.

Não tinha certezas de mais nada. Meus medos eram espiralados: o engordar, o tornar-se invisível perante a sociedade, a insaciedade dos teres e quereres, o retorno ao trabalho em nova fase, o envelhecer, o aproximar-se da morte e como isso se processaria em escala de dor. Carregava duas cavernas: a externa e a interna. Ambas me sufocavam, mas tinha de carrega-las, pois há milênios tudo era assim e deveria continuar sendo.

No entanto, para quem toma conhecimento dessa crueldade, é humanamente impossível ficar quieto e indiferente mesmo que com o próprio peso de suas cavernas. O pior é perceber os outros e ainda assim ser conivente com a injustiça. Sair do escuro quente tem seu preço e adentrar as paredes movediças do ser em sendo também.

A coerência é não ter coerência, pois o tempo ampulheta nos faz girar em seu interior como grão de areia em seus 360. O cima abaixo é tão aterrorizante quanto carregar as cavernas em que se vive como moluscos em conchas. Nenhuma alma desperta suporta tanta verdade íntima e pessoal sem passar por metamorfoses sejam estas de sapos a borboletas.
Enfrentar o espelho é o mesmo que girar como areia e ainda assim desejar ser o vidro que a contém.

Não, não se pode ser ou ter tudo o que se deseja. Mas nos ensinam que ter traz felicidade, nos ensinam que o sumo está no consumo e se deixar sumir na multidão de zumbis. Não pensar, não ter ócio, porcos comendo bolotas.

Não é à toa que espeleologia (estudo das cavernas) se parece com espelhos na escrita. O segredo é ver, abrir os olhos no escuro e ter a coragem do desdespir mesmo que não seja um desnudar-se por completo.

ANDREIA CUNHA






quarta-feira, 22 de agosto de 2012

SER-VIR O DEVIR




TODO O PROCESSO DE CRIAÇÃO 
DEBRUÇA-SE SOBRE O SER
PERANTE O RECONHECIMENTO 
DO NADA SER
AJUSTANDO-SE NA POSSIBILIDADE 
DO DEVIR
COMO TRANSFORMAÇÃO.

AnDrEia cUnHa. 





terça-feira, 21 de agosto de 2012

ECCE HOMO



Há muito tinha aquela bela pintura em sua parede. Lembrava-se dela desde os primórdios de sua infância, mas com o tempo – e este não é nada sutil com as criaturas humanas e os demais objetos– percebeu que algo tanto nela, agora com 80 anos, quanto na pintura havia esmaecido até quase o sumiço total.

Ela até podia aceitar que algo estivesse acontecendo com sua pele, seus músculos e sua vitalidade, mas jamais poderia deixar que tal pintura tão bela com um homem tão lindo pudesse se acabar como ela.

Se pudesse faria um pacto dessemelhante ao de Dorian Gray desde que a imagem permanecesse eternamente jovem sem as marcas do ignóbil Tempo. No entanto, ainda lúcida sabia que ficções eram meras ficções e nada mais.

Portanto, teve um plano: restauraria ela mesma a pintura que fora executada por um parente longínquo.  O problema é que não tinha muita experiência nisso, mas para ela isso não seria problema. Afinal desconhecer é algo comum mesmo para quem tem lá seus 80 tentaria e para isso não desistiria. Detestava quem facilmente desistia das coisas.

Pegou lá seus produtos químicos e para não deixar o belo homem esquecido no sumiço procurou primeiramente esticar as cores.

- Que beleza! Está dando certo...

A empolgação foi tão grande que ela resolveu dar um toque especialmente seu como se fizesse uma releitura da obra. Puxa daqui, estica de lá, contorno acolá encobre um erro em cima, borra mais embaixo... Sentia-se uma Da Vinci em sua empreitada restauradoresca e criadoriana...

Ao final já se sentindo a própria dona da obra disse:

- Ecce Homo

E eis quehavia ali o Homem recriado pela visão da pobre senhorinha. O problema é que seu ancestral era famoso e ela acabava de destruir a obra prima de valor inestimável com sua releitura abominável tanto quanto ela em seu estado atual.

E para todos ‘Eis o Homem’ (ou pelo menos que restou dele).

Andreia Cunha



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

domingo, 19 de agosto de 2012

UM BRINDE - TIM, TIM...



Não creio em ingenuidade 
onde reina o conhecimento.

Andreia Cunha


A união de um continente não deve acontecer unicamente pelas vias do interesse financeiro e econômico, há que se considerar o intelectual e sobretudo o cultural.

Não falo do cultural somente no sentido de produzir arte por intermédio do filtro dos sentidos, incluo nesse conceito os costumes arraigados há milênios por todos os povos. Comparar por exemplo, a Alemanha a Grécia a ponto de instituir moedas únicas para ambos os países é uma postura simplista e simplória no mero achar q só isso igualaria economias tão discrepantes.

Tomemos como exemplo se algo semelhante acontecesse no continente sul americano: que lindo!  Todos se unem em uma moeda forte tomando por base o país com nível mais elevado. Como ficariam os demais? Não é muito difícil até para quem não entende de economia ou finanças, perceber que seria impossível a manutenção por longo tempo de uma unificação pacífica.

Sabendo que o livre comércio já se institui por meio de acordos nem sempre fáceis que diremos, pois de uma única moeda!  No entanto, é algo ainda mais sutil o que preocupa: Por onde anda a elite intelectual que costuma sempre aparecer quando a situação aperta-lhe o calo. Afinal, não creio que eles não estejam sofrendo tais consequências e mesmo que não as sofram com tanta veemência o se expor nesses casos é sempre bem visto para pessoas que tem voz e vez na mídia.

Essa estranheza causa aquela sempre incômoda sensação de pulga atrás da orelha: O que acontece no velho continente? Estariam de certa forma colaborando para um esvaziamento da mão de obra que recorre como em tempos antigos às Américas em busca do velho sonho de fazer fortuna. Os jovens não encontram trabalho e em massa aportam em terras ‘desconhecidas’ tomadas pelos índios que devem ser novamente catequizados e explorados pelos bens que a terra produz?

Somos novamente o alvo? Perceber que os trabalhos que não exigem ensino superior tenham um crescimento inclusive no valor salarial em detrimento dos que exigem conhecimento acadêmico é só um pequeno detalhe que para muitos passa despercebido... Isso é temporário, tão fugaz quanto a fumaça branca que queima na Basílica de S. Pedro anunciando o novo Papa.

Quando a poeira assentar, tais trabalhos serão desvalorizados e quem se sairá bem não serão com certeza os não escolarizados. Vejo uma dança se formando no meio do salão em que muitas pessoas estão sendo levadas a girar como em valsa até se estontearem e caírem como peças de um jogo que já se repetiu anteriormente.

Não sou especialista, e novamente repito como em outras postagens: espero estar sendo apenas fatalista em minhas colocações. Mas por enquanto a dança parece apenas começar a nos colocar para dançar em seu ritmo. Seja como for: tanto os que vêm como os que ficam precisam se ajustar as intempéries do mercado, pois seus donos vivem de especulações que oscilam em suas marés avassaladoras quando o Senhor Capitalismo resolve rir mais uma vez de si mesmo. Afinal chorar pra quê se para ele não acontece nada...

- Tim Tim...

Andreia Cunha