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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

TEATRO DO ABISMO DO VERBO INDIZÍVEL (EM 5 ATOS).


TEATRO DO ABISMO DO VERBO INDIZÍVEL
Eis-me...
Sou o verbo não conjugado, o verbo indito...Na garganta, preso...Que não consegue e nem quer se expressar...INDIZÍVEL...Mas sou seguro de mim!...
Presente em ti e em todo o nós...Sou como um ato de peça de teatro que se repete nX, para nos dizer o quanto somos minúsculos diante do Verbo que se fez carne para um mundo de dor...
O teatro é a arte de representar os verbos...Repete-se...Repete-se o ato em diferentes tempos e lugares, mas sempre de um novo jeito, uma nova maneira de ver o visto...Daí a reconstrução do significado dos mesmos verbos em diversas situações.
É no palco da vida que o verbo indizível alcança sua Plenitude de ser intransponível para o mundo mortal das palavras de âmbito comum...O dicionário...Manipulador de causas e conseqüências – do isto significa isto e mais isto e assim por diante...
O verbo indizível habita as profundezas abissais do oceano...Jamais foi visto...Um mistério a ser desvendado...Uma lenda viva e ativa assim como se fala em saci, curupira, monstro do lago Ness e até mesmo da extinta (?) Atlântida...Ser visto, ou reconhecido em suas intimidades...Nunca!...Nenhum mortal jamais o viu... Ele está ao alcance dos seres divinos: anjos arcanjos e toda a hierarquia celeste superior...
Dizem, falam, comentam, contam e recontam que ele é Revelador – EPIFÂNICO...Quem consegue Vê-lo e o entende em sua totalidade não sobrevive para contar aos demais...Por isso, talvez, ele seja tão procurado e ao mesmo tempo tão repudiado no destino da morte evidente que persegue aquele que o desvenda...E o tenta revelar...

 ATO 0. O SER
Ouço músicas antigas, deitada numa cama que não é a minha de um lugar distante... Estrangeiro... O som está ensurdecedor para ocultar minhas vozes interiores... Olhos fechados...Sinto-me diante de uma sala com vários espelhos daqueles de parques de diversões que distorcem a figura: oras magra, gorda, cabeçuda... Sei que cada uma delas representa uma porta para um novo estágio...Mas por enquanto, só vejo reflexos desses vários eus...Todos fazem parte de mim, representam algo em mim... E ao mesmo tempo me incomodam... Tenho que transpor a barreira das imagens e ver o que é interno, buscar raízes... São cinco espelhos que representam cinco aspectos desse Eu que sou: três estão de um lado e o restante do lado oposto...Mais adiante, ainda dentro desta sala, tem uma porta fechada...Uma porta preta...Será que é escuro o transpor dessa passagem?... Do lado esquerdo juntamente do lado dos três espelhos, bem próximo à porta, uma armadura medieval também preta, mas reluzente com escudo...Enfim, completa. Olho-a...Será que travarei uma luta medieval ao transpassar a porta?...
De súbito eu me viro do avesso...Como se meus olhos tivessem o poder de me enxergar por dentro...Só os olhos se transportaram para dentro de meu Eu!... Enxerguei-me escura...Uma penumbra com pouca luz e oca por dentro...Dos pés até onde pude alcançar: a altura dos olhos... Os pés num primeiro momento estavam abertos, mas logo se fecharam com uma rápida cicatrização cinematográfica.
Susto...Abriu-se uma torneira de baixo para cima? É parece isso!...Uma maré que sobe de tempos em tempos...Está subindo água cristalina e cheia de peixinhos ornamentais...Coloridos e espertos, pulando de um lado para outro... Brincando...Sinto uma alegria!...A água pára ao chegar um pouco acima do ventre... Mesmo com o cérebro exposto no meu interior pensei: “Estes peixes precisam chegar às regiões abissais do meu ser...”.


 ATO 1. O SER E O MUNDO
Vivo num mundo com aspas que pairam em meu ser. Concordo para manter-me de pé...Mas em mim germina o grito de pavor e terror perante as posições que os homens tomam para manipular os outros com seus próprios desejos incrustados em suas carnes maliciosas e cheias de vontades...
Agora sei que não deveria concordar...E é por isso, que elas flutuam em mim...Pois não expressam o meu ser...Antes uma vontade alheia que me quer anular em suas reticências vazias, inconsistentes de um significado próprio...Minha opinião. “...”.
Nunca tive voz ativa?... Fui sempre vazia e subordinada a um agente secreto que me faz paciente num mundo de esperas infindáveis?...
Quero meu próprio respeito de sujeito simples e determinado para um propósito: Expressar-me e ser respeitado na minha expressividade de ser...
O fato de não ter posses não me releva ao grau máximo de não me ser a mim mesma...
Um indigente atado a rédeas da ignorância, risonho de tudo o que se apresenta e abaixando a cabeça feito cavalo doméstico e servil... Sou muito mais!
É com isso que concordo e quero me desatar?... Com o capital que me reduz a um cavalo servil àqueles que de mim se aproveitam como montaria e transporte?...Riqueza?...
Por que concordo com essa escravização?...É por que tenho medo da fome etiopiana de magros ossos descalcificados ou por que não quero perder as mordomias que antes me inflavam os músculos e enchiam os olhos?...
Antes a ração dos porcos com a cabeça fecundada de idéias que me expressam em toda a minha plenitude do que as aspas vazias que me dizem que sou o que outro pensou por mim!...
Quero ser-me com o que tenho sem vender minha alma por moedas corruptíveis pela gula insana de poderes vulneráveis de dores inexoráveis...
Não prego um discurso voltado para a santificação da pobreza...Mas sim para a igualdade de oportunidades. Vivemos como em castas deterministas!!! “És escravo. Então serás só e somente isso”. “Jamais chegarás a outras por meios lícitos e muito menos ilusórios”.
Podam-nos do sonho...Podam-nos da vontade de vencer... Mutilam-nos desde recém-nascidos para sermos servos eunucos...Nulos...Da língua e do prazer...
Sociedade, tereis que suportar essa nova criação franksteiniana de seres retalhos de outros tantos mutilados...
O vale dos ossos secos na visão do profeta Ezequiel que se juntaram formando um exército... Para qual fim?... Não vos façais de inocentes enclausurando-vos nos portões de ferro com cercas eletrificadas e pit bulls sanguinários...
Viveis mais cegos do que os próprios cegos e ainda dizeis enxergar o progresso no céu estrelado em verde e amarelo?...HIPÓCRITAS...
Sois a figura da justiça de balança corrompida na mão para se manter no perfeito equilíbrio do senso igualitário entre seres do mesmo sexo, raça, religião...Carta Magna da Vida Vivida...


 ATO 2. O SER E O NADA DO ESQUECIMENTO

Pairo nos ares do esquecimento...Não existe dor pior do que a de ser olvidado por quem se ama...Outrora fui sol reluzente em terras escuras...E agora?...Já fiz a minha parte...Posso ser jogado fora apagado da memória como lembrança descartável...Fui útil...Mas na futilidade de suas novidades de pré-vida não tenho mais espaço para estar nem que seja num cantinho poeirento do seu ser...Desconheço-te nesta sua frieza marmórea de pedra enrijecida pelas glórias de um fulgor terreno e momentâneo...Nossa vida? Não existe mais “NOSSA”...Foi-se diluída como pastilha efervescente borbulhante e que perdeu a graça pra criança que a olhava pela primeira vez...Seremos como tantos outros que só descobrem o valor dos sentimentos quando estes se perdem irremediavelmente?...Sinto um cansaço de alma por lutar por algo importante só para mim...Sem a reciprocidade do lutarmos juntos e estarmos num mesmo barco... Remando numa mesma direção...Já estou tão encrudecido com essas situações que agora já não sinto a dor...Anestesia natural do corpo depois de tantos tombos tombados num mesmo lugar... Criei uma casca de resistência e o que sinto agora é um profundo silêncio de filme mudo em que as cenas passam e desenrolam num gênero tragicômico sem graça, aguado de fortes emoções... As luzes se apagam e vem outra cena e assim sucessivamente...Até que enfim as luzes se apagam de vez, o público se retira silencioso, pois o final foi tão sem nexo quanto o decorrer do filme... Sem comentários...O mesmo vazio da chegada em que reinava somente as expectativas para o que se encontraria...Pior ainda na saída, pois as tais expectativas se murcharam como flores a muito sem água e expostas ao sol... Sentimentos nobres também tem prazos de validade e não podem ser expostos a temperaturas excessivamente geladas e nem tórridas...Pois isso cabe à paixão... Sentimentos nobres são temperados na medida certa, tem gosto de quero mais e nunca te deixam na saudade...Pois como o próprio nome diz são NOBRES – cavalheiros e damas...Sabem ser responsáveis com quem foi cativado, podem até nos causar dor, mas esta por um motivo NOBRE o crescimento do próximo... Sempre há um consentimento da suposta vítima em entender no tempo do depois que aquilo que causou a dor foi realmente necessário para o tal crescimento...
Porém o esquecimento em terras escuras é muito triste e diria até fatal pra quem já está sem chão num completo desconhecido de interiores que precisam ser decorados para se ajustar ao conforto do dono...Sou arquiteto de mim... Não posso esquecer-me mesmo que outros se esqueçam...Sou-me importante...E ao mesmo tempo tão impotente!!!

ATO 3. REFLEXÕES DA VOZ REFLEXIVA EM SEUS SUJEITOS, PREDICADOS E AFINS
Voz reflexiva que sai de mim e para mim volta como um tapa na alma...Olho-me no espelho e o que vejo? Dores de amores...Sujeitos e predicados entrelaçados no eu e no mim...Mas o reflexo ilusório nem sempre condiz com o reflexo da vida – não menos ilusório que o primeiro...EU olho a MIM mesma...Sou sujeito de um predicado que fala de mim, mas não me refletindo fielmente, ou parecendo fielmente com o que penso realmente ser... Posso dizer com certeza para mim e o mundo que me cerca de que jamais seremos desvinculados de uma ideologia, jamais seremos imparciais...A imparcialidade pertence ao mundo dos que são ignorantes, no sentido de que não entenderam absolutamente nada do que viram, ouviram ou sentiram sobre o fato analisado...Ou ainda a arma dos que se julgam espertos utilizando o termo como forma de dizer que não pertence a esse mundo... Sempre com finalidades escusas de enganos e engodos feitas por sujeitos indeterminados... Propositalmente.
Do Eu para Mim mesma nunca houve nem jamais existirá a imparcialidade de conclusões, pois não somos unos (apesar de parecermos)... Cada qual possui uma infinidade incalculável de eus que se manifestam em vários e tantos momentos...
Preciso me ajustar com meus eus e liga-los a seu mim correspondente...Para que eu possa ter sentido completo com o verbo na qual agirei pela vida... Corto-me e retalho-me com a destreza de se cortar um frango para fazê-lo a passarinho...Machuco-me, sangro-me e recomponho-me para a construção de mim mesma...Nessa arquitetura de totens de eus...


ATO 4. O PASSO MITOLÓGICO DO SER PELO MUNDO 
Quando algo não vai bem das pernas...Algum outro tem que andar...E bem para poder sustentar o que não vai...
Conto apenas com sonhos sonhados em noites mal dormidas em tempestades de verão...
Sei que superarei tais incômodos da vida a dois ou em mais já que sou fragmento de outros tantos fragmentos individuais de um coletivo individual que se despedaçou...O desespero de agora que me toma será a alegria de amanhã de poder ver que nasci desses momentos turbulentos...
Sobrevivi e estarei muito mais que navegando em ondas tranqüilas de tempos amenos de primavera refrescante...Estarei navegando mares que outrora jamais foram navegados por mim...Estarei além muito além de problemas corriqueiros...Das dores mundanas e de prazeres libertinos...
Sou hoje uma completa caixa inacessível, cheia de mistérios para o futuro...Reservada com chaves de ouro e um enigma que deve ser decifrado primeiro - antes de ser aberto por mera curiosidade de especuladores... Sou a caixa de Pandora. O oculto secreto é o que me faz caminhar mesmo que com passos lentos por estar fazendo esforço dobrado e sobre-humano.
Carrego-me com minhas dores numa lentidão de lesmas e tartarugas... Conto atualmente com o Divino para carregar-me e carregar também um pouco deste fardo pesado que são minhas próprias pernas em esforço dobrado... Juntamente com o peso da caixa nas costas...
Sinto-me como Atlas... Fazendo força titânica para carregar o mundo nas costas e com os braços esticados ao máximo...Sinto o formigamento da falta de sangue que não mais circula pelas veias destes membros eretos para o sustento da caixa...
Será que carrego meu próprio defunto?...O morto morrido nos ventos uivantes da tempestade audível em tambores retumbantes? O segredo secreto da caixa é este?... Perdi uma de minhas cascas e cada uma perdida será o mistério ocultado nela?... Só saberei quando finalmente decifrar o código milenar olvidado no som do silêncio escritos com letras de ouro contendo 29 letras de 14 sílabas?... Em hieróglifos pouco estudados por lingüistas do globo inteiro?... Um mistério para mais alguns séculos de aprimoramento...
Enfim, terei que carregar meu fardo enquanto isso não vem à tona para o mundo... O EXTERIOR...

ATO 5. (e derradeiro) O ESPETÁCULO 
CIRCENSE DO SER 

Uma arena romana...Circular... O espetáculo vai começar...Pão é jogado ao povo que se digladia como feras ferozes por um pedaço de carne...Mais abaixo, servos fazem os últimos preparativos para o show de carnificina que logo se realizará...Na luta e na morte pela inútil tentativa de sobrevivência do mais fraco... SIM! INÚTIL...Pois o forte, nesse caso, já está predeterminado a ser vencedor...Assim como as cartas marcadas de jogatinas vorazes da ganância pelo poder...
O instinto animal da fome aguçada ao extremo fará com que leões sejam soltos para estraçalharem as carnes vivas dos que lutam em vão pelo último suspiro de vida...Enquanto a platéia acima urra de comichão e prazer em ver os assassinatos consentidos...
Soam os clarins e uma voz altiva se ergue além dos gritos ensandecidos da multidão...Fala-se em uma língua remota...Latem-se palavras que justificam os cães raivosos e sedentos por sangue fresco...
No subterrâneo mofo e escuro de uma cela, estão as vítimas a espera da hora fatal...Em que se abrirão as portas do horror...E o show verdadeiramente vai começar...
Feras imensas e jubosas de unhas dilacerantes não cessam de rugir...Também enjaulados pela robustez da fome de dias...Enquanto os pobres coitados, os mesmos descritos na cela, possuem pequenas armas para tentar se defender dos quadrúpedes famintos...
A platéia agora é uma imensa massa de legião de demônios com olhos vermelhos e esbugalhados, mastigando o pão – como a carne de Cristo crucificado para o perdão de nossos pecados... Adiante no topo e com visão privilegiada, o Imperador, com suas vestes brancas, ainda mais alvas pelo fulgor do sol, assiste ao espetáculo com sua taça de vinho tinto e iguarias reais postas a seu lado direito em um santuário representando os sete pecados capitais...
Jugulares jorram...Perde-se o juízo, o senso de humanidade e a luz da razão...Reinam as trevas em sua dança de sombra e luzes...Homens e Feras...Feras, feras, feras e homens...
Por fim, víceras, escalpos, tripas e massas disformes se espalharam pela arena...Que agora está vazia de ecos... Sem nexo...

Andreia Cunha





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