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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

UM FUTURO-MAIS-QUE-PERFEITO




Um futuro mais-que-perfeito

Despedira-se daquela maneira... Publicamente, de forma que todos viram o seu adeus. Impossível não ter notado tanta dor em seu gesto único... Tratava-se de um sapato... Ou melhor, tênis... Tenho certeza de que nesta altura de onde se encontra, não gostaria de ser tratado pelo nome incorreto... NÃO ERA UM SAPATO... ERA UM TÊNIS!!!

Pois então, tinha servido sua dona por bem mais de anos... Durara mais que o habitual para um tênis moderno... Viajara para muitos lugares e também sofrera por várias vezes nas intempéries do tempo e do uso constante para ir ao trabalho... Estava em diversas fotos e isso comprovava sua durabilidade e fidelidade para quem o comprara e teria de ser amigo fiel até a morte... Cumprira seu papel... Por isso, tanta comoção ao sentir o fim tão próximo...

Uma segunda-feira extremamente chuvosa datada em 23/07/2007... Meu Deus data coincidente com a também despedida da avó amada de sua dona!!! Não poderia ser um final mais lembrado... Bom, enfim não escolhera a data... (in) Feliz coincidência mesmo!!!

Naquele fatídico dia já acima citado, tivera que ser colocado pela derradeira vez para que pudesse visitar uma nova amiga de sua dona... Porém como o tempo estava chuvoso e teria que pisar os pedais respectivos da moto, ele foi encapado com um saco de mercado; um em cada pé... Na ida ainda conseguiu chegar inteiro sem dar sinais de uma despedida...

Problema mesmo se apresentou quando teve que ir ao mercado após algum tempo de conversa corriqueira... O tal era próximo menos de uma quadra... Mas eis que tudo começara a ficar mais evidente...E agora, eu como narrador, terei que dar a voz ao próprio para que com maior veracidade nós, humanos, possamos entender como um tênis se despede... Ele do outro lado ditou-me as palavras para que pudesse dar segmento a essa narrativa.Ei-la fielmente:

“No caminho, uma boca de jacaré começou a desbeiçar-me por baixo e aos risos tanto de minha dona quanto de sua nova amiga tive que começar a me entregar a uma voz maior, enquanto nos dirigíamos para o mercado foi-me impossível continuar mantendo as aparências e comecei mesmo a esfarelar-me como papel molhado... 

Agora, as gargalhadas de nervoso eram imensas e minha dona tentava disfarçar decidindo por arrastar-me... Tentativa em vão que só agravou ainda mais o meu fim... Doía-me ter de deixá-la sob vergonha pública, mas não escolhemos o dia e muito menos a hora... Era isso o que me esperava...

Cheguei até a porta do mercado semi-inteiro... Ela queria ficar ali fora esperando a amiga voltar, mas mesmo assim decidiu por entrar... Foi aí que o que ainda estava grudado não mais resistiu mesmo... Entramos ainda com certa classe apesar da boca evidente de jacaré traseira que me acompanhava... Cheguei num estado pior na seção dos refrigerantes... Lá tive minha segunda perda... Parte da meia sola desgarrou-se... Só ouvia risos extravagantes... Minha dona estava nervosa, porém continha-se naquele riso estúpido... 

Concordo que era um fato engraçado... Morria dando alegria aos outros... Na verdade, não queria choro nem vela...

 Talvez com risos fosse até melhor... Contribui para o riso, a felicidade e porque não na história que vocês estão lendo agora... O fato é que o segundo resto mortal ficou estampado no caminho daquele corredor de bebidas... Rodamos o mercado e meu irmão do outro pé também começou com a mesma agonia que já estava sentindo... A boca de jacaré...

Fomos para o caixa mais vazio que tinha por ali... Queria pelo menos sair com a semiclasse na qual entrei... Até a porta do mercado resisti, mas na descidinha da rampa para a calçada desbeicei-me de vez justamente onde estavam dois senhores conversando... Foi hilário porque as risadas agora eram inevitáveis... O restante da meia sola desgarrou-se de vez... 

Minha dona teve que caminhar como se pisassse no alto depois no fundo... ‘Tá raso tá fundo, tá raso tá fundo, tá raso tá fundo’... Até chegar a entrada do prédio... Quando por fim o pé esquerdo desabou...  AFUNDOU de vez... Partimos ali mesmo, fomos para o lixo coletivo daquele prédio estranho que não era o da minha dona... Contudo, posso dizer que esse era o meu futuro um dia... Aliás, o de todos nós... E o meu foi mais-que-perfeito, pois fui... Deixando alegria e felicidade... Embora a custo de um tanto de vergonha para minha amada dona... Sei que ela não me odiou por isso... Ela até se despediu de mim...
Agora? Ah agora reino no paraíso dos tênis... Também tenho alma... 

“Mas o melhor de tudo é ter participado da vida e ter deixado minha história para a posteridade num tempo verbal ainda inalcançado: o Futuro mais-que-perfeito...”

Andreia Cunha








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