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terça-feira, 2 de agosto de 2011

A FIGURA DO NEGRO NA LITERATURA BRASILEIRA



ESTA REDAÇÃO FUNDAMENTOU-SE NA OBRA DE ANTÔNIO CÂNDIDO INTITULADA 'A FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA' BEM COMO NO POEMA 'CRUZ DA ESTRADA' DE CASTRO ALVES COMO MEIO DE ANALISAR A FIGURA DO NEGRO NA LITERATURA BRASILEIRA.







A CRUZ DA ESTRADA

Tu que passas, descobre-te. Ali dorme
O forte que morreu.
Alexandre Herculano

Invídeo quia quiescunt.
Lutero


Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz a dormir na solidão.

Que vale o ramo de alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insónia atroz;
Deixa-o dormir no leito de verdura
Que o Senhor, dentre as relvas, lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme por ele à tarde no sertão;
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Entre os braços da Cruz a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu;
Chora orvalhos a grama, que palpita,
Lhe acende o vaga lume o facho seu.

Quando à noite o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus...
Prende-se a voz na boca das cascatas
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.
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Até boa parte do período Romântico, o negro enquanto figura estética era renegado a plano de fundo sem o menor escrúpulo ou simplesmente considerado ser inexistente na formação de nossa cultura e isso não está tão distante no contexto histórico, pois corresponde a sociedade da segunda metade do século XIX.

Somente por meio da figura de Castro Alves, denominado  poeta dos escravos, é que a condição do negro passou a ser visto como um problema social, despertando o sentimento humanitário que culminou na efervescência da causa abolicionista.

O indígena, por não ter compleixões físicas e culturais para ser escravizado, opondo-se a vontade do colonizador, ascendeu à aura de heroi, belo, forte e detentor de coragem: imagens idealizadas nas tantas obras indianistas.

No poema ' A cruz da estrada' de Castro Alves percebemos de forma nítida questões que mais tarde Antônio Cândido abordou com propriedade a respeito do negro em nossa literatura. 


Jamais o negro poderia ser aceito como objeto de valor estético e ainda mais na forma poética com intenções de denunciar e sensibilizar para as dores de uma raça submissa, sujeita a maus tratos e por isso, considerada inferior.
Mesmo que estivesse morto e representado somente pela figura de uma cruz abandonada na estrada isso era inadmissível para os de pensamento escravocrata.


O adjetivo 'abandonada' alude às questões sociais: mesmo na morte o negro continua tão abandonado quanto em vida.


O quarto verso da primeira estrofe remete-nos a ideia de que é melhor que o caminheiro nem se aproxime, pois a morte do ser que ali jaz é a representação de todo um sossego e de uma paz que em vida não foram alcançados.


Na verdade, aproximar-se dali, seria pisar num passado de humilhações e privações que nem mesmo o perfume do alecrim poderia abafar. Essa aproximação só serviria para reviver a crueza de quem viveu na sombra de dores e horrores.


Para o escravo, a vida era uma insônia atroz e seu prêmio era agora estar entre o leito de verdura, reverenciado pelas borboletas, passarinhos e tantos outros elementos da natureza que o saúdam, gemem e soluçam por sua morte.


A natureza descrita pelo poeta é a única que o respeita como ser humano. É somente na noite e na sepultura que a voz do negro tem força para lamentar sua penúria com Deus.


A morte representada no poema é o meio desencadeador do sentimento humanitário citado por Antônio Cândido que colaborou fortemente para a evolução do movimento abolicionista e para que também o negro pudesse enfim desposar a sua tão sonhada liberdade.
Algo que jamais deveria lhe ser tirado.

ANDREIA CUNHA













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