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domingo, 30 de setembro de 2012

TEMPESTADE IGNORÂNCIA


ANDREIA CUNHA

sábado, 29 de setembro de 2012

O QUEIJO E A VIA LÁCTEA




Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Augusto dos Anjos



Eram os idos de uma época distante e tudo ainda era visto com certa desconfiança, isto é, qualquer pensamento que fugisse aos padrões impostos pela grande Controladora não era algo bem vindo e deveria ser eliminado. No entanto, fato era que alguns não se contentavam com os preceitos da grande Controladora e se via em grandes problemas para pensar e pôr suas ideias em prática. 

Geralmente a prática ficava apenas no pensamento ou bem escuso em papeis, material bem difícil de se obter.

Apesar dos contratempos, um homem simples resolveu abdicar das regalias de ter a vida salva pela Controladora e pôs-se a pensar, pois sua mente não se continha nos moldes tradicionais impostos pelo sistema. Essa era sua dor e também o seu prazer. Era no seu escondido do mundo que encontrava enorme vontade de continuar a vida e ter nela um sentido para o tudo que se sucedia ao redor. Mais que normas e regras, ele precisava de sentido: o seu experienciado mais do que o apenas falado como ideal.

Aprendera a ler parte com um monge, seu tio, e o restante sozinho mediante alguns livros que por vezes chegava a suas mãos. Mágico momento era o de se esconder entre os animais para decifrar o que o papel guardava como mistério. Pensava um dia em poder colocar as suas joias também no papel. E não tardou mesmo em praticar tal ato.

Sua mente voava no que lia. Saber das estrelas e do universo dito como infinito apesar das controvérsia da Controladora era algo que o fascinava. “Como algo pode não ter fim?”

E foi nos confins do sem fim que seu corpo se embrenhou para explicar o que sentia borbulhando em sua alma prestes a derramar caso não colocasse as ideias em prática. “Via Láctea...” Foram as primeiras palavras que lhe perturbavam e semeavam sua terra mental.

Tudo é leite. O mais racional da Criação é o leite. Isso o alimentava como essência para o manter vivo nas suas loucuras. Por que nãose pensava numa figura materna criadora, visto que é da mulher que o homem nasce? Algo deveria estar errado na história da criação colocando o homem como centro. E a tal via láctea comprovava seus pensares.

“Se tudo parte do leite nada mais natural que exista uma figura materna!”  Nisso calcava toda sua teoria. Havia uma mulher escondida na Criação e isso para ele era mais do que o óbvio em luzes na escuridão.

Por dias, se via fazendo conjecturas, “mas o que seriam os homens nesse contexto, visto que moravam dentro dessa via de leite racionalmente criador que alimentava os sereszinhos habitantes desse tal universo?’

Julgou: do leite se faz tanta coisa... Talvez estejamos dentro de um imenso queijo! A forma espiral da via láctea dá a ideia de que algo se agita como se numa panela tudo estivesse girando. 
Queijo! Essa é a resposta... Eureka – proferiu as palavras gregas como solução para seu embate mental. Somos as bactérias, os organismos que se formaram a partir desse queijo em formação...
Sua felicidade era imensa em conseguir algo tão concreto quanto as ideias da Controladora para ele sem sentido.

Não conseguia se conter com os dias se passando, nessa teoria tudo se encaixava, é claro que ele tinha medo de seu entusiasmo, mas no fundo se sentia tão puro e limpo do que aceitar tudo em mudez eterna que aos poucos foi deixando escapar o motivo de tanta alegria para os demais que já o olhavam com desconfiança de que algo o havia causado a tal felicidade extrema.

Nos tempos da grande Controladora tudo deveria ser moderado e o que fugisse a essa regra primordial deveria ser profundamente investigado. E isso logo lhe causou problemas, pois esconder algo tão humanamente verdadeiro era quase impossível visto que seus olhos brilhavam e exaltavam seu conhecimento muito mais abrangente do que a Detentora da verdade.

Ao ser pego numa noite de lua cheia foi logo acusado de bruxaria visto que livros profanos foram encontrados nos aposentos mais secretos de seu lar humilde. Sentiu-se caçado e de fato era a caça da vez. Muitos já estavam nessa triste situação por muito menos. Com ele não seria diferente.

No entanto, sentia-se ainda assim feliz por pensar além dos moldes impostos. Pensar para ele era algo que valeria até a pena do morrer queimado em público: o que de fato aconteceu logo após o terrível julgamento seguido por diversos acusadores que o chamavam de bruxo com palavras torpes mesmo com sua antiga ajuda pela vizinhança agora esquecida de suas benesses.

Foi em imensas labaredas que vislumbrou o queijo queimando como em churrasco sendo derretido para se unir ao Todo lácteo que havia visualizado em seus pensamentos.

A grande Controladora vencia assim mais uma vez os pensares vis que ousavam questionar a Suprema Verdade dos fatos.

Andreia Cunha









Sugestão de leitura: o queijo e os vermes de Carlo Ginzburg.
Andreia Cunha

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A MENINA DOS OLHOS




Ao nascer, encantadora criatura surgia. Bela e graciosa, porém cega. Os pais não notaram logo de cara. Foi aos poucos que a falta de visão foi ficando evidente.
Tristes,desconsolados em sentimentos, os pais tentavam contornar a dor balbuciando palavras ligadas ao Divino: Ele sabe o que faz...

Fato, no entanto, era que a deliciosa criaturinha era feliz no seu jeito de ser. Menina em sua menina ausente dos olhos. Isso não era problema. Aos poucos percebia ser diferente em algum sentido, mas nada lhe apagava a doçura.

Ouvia as vozes e via as pessoas por meio delas. As vozes lhe traziam sempre a imagem real de seu ausente ponto de vista ocular. Pois, ela enxergava a alma. Era a alma que ouvia e a fazia ver o inverso do que olhos, doentes pelo tanto ver, não conseguiam captar.

Certa vez, deparou-se com uma mulher mais velha, a voz aparentemente não denunciava a idade. Voz menina em corpo maduro. O que evidenciava alguma incompatibilidade era o mau humor sempre constante naquele ser.

A menina, a princípio, calada ficava na presença da dona da voz, por não ter ainda uma imagem mental plena do que ouvia. Sabia, porém que algo não condizia, não se encaixava plenamente. E isso a intrigava.

Era uma parente que ficaria em sua casa por algum tempo devido à saúde debilitada. Apesar da ranzinzice, ela, menina, gostava de fazer companhia à mulher madura de voz criança. Um mistério deveria ser desvendado e as coisas precisavam retomar o curso natural do se ser no mundo.

Numa conversa dessas como quando não se quer nada, surgiu um papo interessante:

- Sabe, dona moça a senhora tem uma voz tão linda... Eu te vejo como uma grande menina, pois sei que não tem tamanho para assim ser...

A mulher um tanto sem jeito, pega de surpresa pelo elogio, tentou disfarçar com um ar de: oras, menina quanta bobeira, deixe isso pra lá...

- Não, dona moça, não é bobeira... Sua voz é menina e sei que em você ela se esconde nessa aparência mulher escura pela dor.

- Ei, ei, ei que negócio é esse de mulher escura?

- Dona moça, não falo da pele, pois eu nem vejo... Antes de brigar à toa comigo olhe para mim. Falo escura das dores e dos dissabores que parecem que te tiraram o gosto pela vida. Sua voz é toda amor e é nela que está a sua essência.

A mulher ficou meio que sem chão perante a candura da menina dos olhos. Havia algo nela que a fazia ver mais que aos outros ditos sadios dos olhos. Suas meninas dos olhos eram verdadeiras meninas transpostas na figura menina que ela era no mundo. Maior que a possibilidade de se reter na retina, as crianças travessas brincavam em todo o seu corpo fazendo-a ver além do que o humano pode ver.

Seu corpinho todo frágil não se detinha nos olhos, transpunha as barreiras nas meninas que ocupavam seu espaço de corpo.

Atônita, a mulher antes escura chamada de dona moça, percebeu-se diferente. Algo havia clareado em si. Uma nuvem passara e ela ensolarando-se percebeu que suas dores não eram nada comparada a possibilidade de uma cura – ou não...

Ver ouvindo sua voz já lhe bastava como vida inteira para compreender que há muito mais que lamentações e tristezas a serem choradas pelos olhos onde suas meninas sadias habitavam.

Deu-lhes um sorriso de presente.

Andreia CunhA






segunda-feira, 24 de setembro de 2012

OU-SEI





Ousei sonhar
O que antes achavam absurdo

Ousei caminhar
Trilhas escuras, barrentas, enlameadas

Ousei ler
O que diziam ser segredo para poucos

Ousei ainda assim lutar
Contagiei ideias e incendeei o mundo

Ousei viver
Não aguentaram a vida com tanta verdade

Simplesmente ousei
Seguir nos percalços da ousadia
E foi por mãos covardes que senti na pele
A força da bala em pressa que tombou meu oco vazio
CorpoFrio.

ANDREIA CUNHA




terça-feira, 18 de setembro de 2012

PELA PELE





Divinizada
Perecível
Por ela
O suor escorre
Eis enxuta
Enrugada
Abafada
Recolhida
Sufocada
Abrindo em poros
Livres
Ela?
Suave cobertura,
Almejada tessitura

Andreia Cunha




quinta-feira, 13 de setembro de 2012

DESEDUCANDO A EDUCAÇÃO




Costumava dizer que o melhor que um ser humano ainda pode ter é ser dono irrestrito das funções de sua mente. Mas quanto à matemática dessa assertiva, no atual, acontecia uma redução em porcentagem significativa na medida em que pelo excesso de controle remoto educativo a coisa ia se degringolando e consequentemente perdendo a noção da realidade do se ser no mundo.

Mas o que era a realidade naquele contexto? Apenas conter a rédeas curtas os espaços mais que limitados dos supostos pensantes? Pelo jeito o mundo intelectual estava se reduzindo a largos passos e isso era o que a minoria bem queria para continuar ativa na detenção das atividades controlativas e deploráveis do processo de conhecimento evolutivo no mero mundinho vasto a ser ainda decifrado.

-Triste!

Balbuciava em seu mudo calado exterior, mas não mental... Até onde iria sua consciência da realidade? A situação estava ficando sufocante caso não se ajustasse aos moldes criadores, porém não criativos dos detentores da irrazão. Sistemas e mais sistemas burocracias como soluções – nada eficaz, claro.

O controle remoto-mor  deveria se sobrepor ao individual que deveria estar sempre em crescimento caso se praticasse uma tal de leitura que era feita com os olhos e mente ativas, livre para a imagem em ação.  Daí imaginação.

No entanto, era com o desconhecimento que mantinham certas funções inativas e resguardadas dos leigos ensinados a não gostar do prazer interessante que a leitura com olhos atentos proporcionava... O escravizar era pelo incitamento do não gostar sem ao menos experimentar.
Abrir portas e janelas somente no denotativo e mecânico. Voar? Impossível para um pássaro podado desde o tenro nascimento. Eis a função do determinismo funcional intitulado como mero caso do acaso de um destino fatalistico e surreal.

Até que num fatídico dia em meio a escamas que caíram sei lá de onde algo começou a mudar-lhe os sentidos. Ver eram com o tato, sentir era com os olhos e o paladar estava nos ouvidos os cheiros era com o corpo todo aguçado num êxtase inebriante de sensações irrefreadas nos sentidos amalucados.

Era  o deseducar que precisava ser ensinado. O controle não deveria nem de sombra ser remoto e ausente, deveria sim ser mais que presente nos dês-controles em cisão do objeto  para se ver o que não mais acontecia como regra – a dês-regra.

O controle deveria ser aberto como se fosse uma operação e o corte em bisturi. Uma nova plástica se faria no ser que antes controle remoto teria a chance de se ver revendo nos espelhos não torcidos de sua mente agora plena e sã de sua existência não apenas virtual.

Aí sim portas e janelas poderão ser abertas no conotativo mais que em controles remoto controlados por um algo superior...

Andreia Cunha










sábado, 8 de setembro de 2012

TOMADA 2




Seu corpo correspondia ardendo em fogo juntamente com o som do tambor enquanto a largas planuras uma imensa cúpula do céu se abria em sua mente.

Naquele momento, o imenso círculo que o envolvia em forte vento nas alturas de seu céu interior lhe indicavam que ele todo era apenas uma semente pronta para o plantio que serviria também de alimento. Seu ser suspenso no centro desmembrava-se em caule, tronco, folhas, frutos.

Os pêlos que recobriam seu corpo diminuíram sua estrutura óssea em metamorfose modificava até que expelido pelo vento que o chamou caiu em novo ambiente. Sua queda apesar de brusca não o machucou, fora aliviado nos instantes finais.

O tudo era novo e o todo que antes conhecia era infinitamente complexo a seus olhos ainda perdidos tanto quanto em seu mundo de origem. Via seres semelhantes a sua figura dançando uma música frenética em passadas largas sem direção. Locais de intensa altura na qual buracos  iluminados abertos permitiam a entrada e a saída e o sumiço de quem ali passasse.

Em meio à multidão atordoada ninguém o via, estava como um deles apesar do não pertencimento àquela época. Seu andar ereto o punha em posição mais confortável para se andar. Mas ainda confuso e profundamente desconectado ouvia assim o tambor primordial que desencadeou todo esse processo insano de existência. O ritmo era outro, o medo o acelerara a ponto de estar prestes a explodir pela total incompreensão do tudo que via.

Adentrou um dos buracos e se assustou com a incrível beleza do tudo que ali se via. Não sabia nomea-los.  Se abrisse a boca sairiam grunhidos longos e altos porém pasmado se mantinha calado e num canto invisível a maioria...

Ajoelhou-se num vão e algo lhe soou aos ouvidos que o fez se voltar para a direção de onde viera o som. Não sabia o que significava: “O centro está onde também está o seu olhar”. Apenas por instinto se virou para o som que o despertou ali no encolhido do pó ao chão.

Uma tomada. A ele, três pequenos buracos que não lhe explicavam em nada o mundo que via sob os olhos vendo cegamente o que não se podia ainda entender, os ouvidos abertos a sons e surdos pelo absurdo do complexo incompreensível do nada não saber.

“O centro está onde está também o seu olhar” e seu centro era um canto enquanto outros  e muitos a seus olhos dançavam a música das esferas. Mal sabia que existiam aquelas criaturas , pensava antes ser apenas um perdido entre outros esporádicos.

Poderia ser a caça tão temida em seu mundinho original. Poderia ser a comida ritualística para a renovação das forças daqueles novos homens que  andavam como insetos. Talvez fossem a s feras dos outros tempos que teria de enfrentar? Não, não pensava com palavras. Tudo era medo e pulsação como a do tambor que direcionava seu centro para a tomada de onde parecia vir agora o som.

A tomada o sugou e em velocidade acima da total imaginação humana foi retornando a origem de seus pesadelos. Em corrente elétrica o mesmo vento que o transformou em homem moderno a  árvore, agora o metamorfoseava em sua imagem de origem. O círculo, louco, místico e atemporal o trazia para sua rotação normal.

Não acordou mais o mesmo, era muita verdade para sua imagem primitiva. A partir daquele dia começou a escrever.

Andreia Cunha