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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

DUAS PÉROLAS



A chuva me irritava. Até que um dia

descobri que Maria é que chovia.

A chuva era Maria. E cada pingo

de Maria ensopava o meu domingo.

E meus ossos molhando, me deixava

como terra que a chuva lavra e lava.

Eu era todo barro, sem verdura…

Maria, chuvosíssima criatura!

Ela chovia em mim, em cada gesto,

pensamento, desejo, sono, e o resto.

Era chuva fininha e chuva grossa,

matinal e noturna, ativa…Nossa!

Não me chovas, Maria, mais que o justo

chuvisco de um momento, apenas susto.

Não me inundes de teu líquido plasma,

não sejas tão aquático fantasma!

Eu lhe dizia em vão – pois que Maria

quanto mais eu rogava, mais chovia.

E chuveirando atroz em meu caminho,

o deixava banhado em triste vinho,

que não aquece, pois água de chuva

mosto é de cinza, não de boa uva.

Chuvadeira Maria, chuvadonha,

chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!

Eu lhe gritava: Pára! e ela chovendo,

poças dágua gelada ia tecendo.

Choveu tanto Maria em minha casa

que a correnteza forte criou asa

e um rio se formou, ou mar, não sei,

sei apenas que nele me afundei.

E quanto mais as ondas me levavam,

as fontes de Maria mais chuvavam,

de sorte que com pouco, e sem recurso,

as coisas se lançaram no seu curso,

e eis o mundo molhado e sovertido

sob aquele sinistro e atro chuvido.

Os seres mais estranhos se juntando

na mesma aquosa pasta iam clamando

contra essa chuva estúpida e mortal

catarata (jamais houve outra igual).

Anti-petendam cânticos se ouviram.

Que nada! As cordas dágua mais deliram,

e Maria, torneira desatada,

mais se dilata em sua chuvarada.

Os navios soçobram. Continentes

já submergem com todos os viventes,

e Maria chovendo. Eis que a essa altura,

delida e fluida a humana enfibratura,

e a terra não sofrendo tal chuvência,

comoveu-se a Divina Providência,

e Deus, piedoso e enérgico, bradou:

Não chove mais, Maria! – e ela parou.

Carlos Drummond de Andrade











Um comentário:

  1. Tua sensibilidade me encanta, me faz crer na beleza que podemos ter...o Drumond me inspirou...rssss.
    Vim matar a saudade, ter um pouco de você, me viciei na sua essência, sem ela fico sem graça, preciso vir aqui para me despertar.
    E tem mais, criança quando fica muito quietinha é porque está aprontando...rssss.
    Te amo menina bonita...tenha um lindo feriado!
    Beijos em você.

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