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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A ARMA ESTÁ NA ALMA


O dinheiro é a essência alienada
do trabalho e da existência do homem;
a essência domina-o e ele adora-a.
Karl Marx


Gostaria de dizer sinceramente que não se importava com o vil metal, mas não era o que internamente lhe acontecia. Vivia num regime de segura para não cair. Privava-se de muitos bens até essenciais pela falta do dinheiro.

Seu trabalho era digno, porém não era pago com o suficiente para dar-lhe uma vida regrada. O orçamento era engessado em planilhas bem rigorosas. Mal podia comer uma pizza por mês… Achava um absurdo trabalhar para não ter nem o mínimo. Roupas? Só no décimo terceiro que já visava também o pagamento dos impostos em janeiro. Quantas vezes, teve que sobreviver com a quantia irrisória de 1,50 por dia para não virar o mês no vermelho ou com o cartão de crédito.

Aliás, cartão de crédito. Nome perigoso! Você compromete o que não tem para o mês seguinte como se lá adiante fosse ter condições de saldá-lo. Mera ilusão que abarca mais privações na chamada bola de neve sempre rolante para o lado do mais fraco.

O amor não tem preço, a felicidade não tem preço, o sorriso de um filho não tem preço - para todas as outras existe a venda da alma. Você pode empenhá-la momentaneamente ou simplesmente vendê-la, financiá-la, enfim mercantilizá-la.

“Cada um luta com as armas que tem para obter o que não tem”. Frase inteligentemente usada pelo baixinho francês Napoleão em resposta ao czar da Rússia sobre o futuro das relações entre ambos os países.

O problema é que dinheiro não é apenas dinheiro. Nunca foi e nunca o será. Ele é o remédio que pode não trazer a cura, mas o alívio em tratamentos particulares, pode não trazer felicidade, mas bem que ajuda na manutenção da alegria do poder ter sem necessariamente ser, o conforto em sonhos de casas e viagens, belezas em forma de paisagens e expectativa de vida melhor, tranqüilidade no fim do mês sem contas pendentes e comida de boa qualidade a qualquer momento à mesa.

Dinheiro nesse caso, não faz pensar só agir. Constrói, destrói, vinga, comove, esmaga, eleva, comanda, compra, embeleza,machuca, alivia, conforta, trai, distorce, falsifica, fortalece, mente, resolve e cria problemas, faz rir, faz promessas, reflete às vezes o que não se quer ver... Tão humano quanto nossas sensações, o dinheiro é uma novela inacabada, sempre terá roteiros nessa dança de ações teatrais mesmo que fora dos palcos da vida. Cada momento um cenário e o dinheiro rola em pactos.

E é aqui que começa a narrativa: nosso personagem se chama coincidentemente Napoleão e este vivia nesse regime de segura para não cair. A família sempre tinha que se contentar com o que podia, mas mesmo assim com o passar do tempo e as políticas econômicas, sua condição estava cada vez mais achatada. De maneira que o salário agora só dava para o basiquinho do basiquinho e olhe lá. Para obter o necessário só mesmo se empenhando em créditos. Caso surgisse um imprevisto aí o bicho pegava porque se fosse indispensável teria que se apertar mais e mais. E fatalmente, era o que de quando em vez acontecia.

Quando a revolta queria tomar-lhe a mente, a mulher procurava consolá-lo para que ele não saísse do sério e tivesse mais problemas dos que os já existentes. Era um meio de chamá-lo a realidade mais do que simplesmente amor pelo próximo. Havia secretamente um pacto de ordem: não enlouqueça, pois do contrário tudo vai piorar. Essa era a máxima do amor. Um pacto de sobrevivência e não de vínculos de sentimentos puros e sublimes expressos no acordo matrimonial. Havia o medo de manter as aparências e, por isso, o espelho era o objeto mais venerado.

Coitado de Napoleão, já não sabia mais como dançar aquela valsa degringolante e mensal que já o desestabilizava dia após dia. A mulher também trabalhava, os filhos largados cuidavam de si mesmos e ainda assim o orçamento exigia mais um furo no cinto em apertos e emagrecimentos nos custos mínimos.

Só que devido aos apertos, tanto Napoleão quanto Nicéia, sua esposa, já estavam perdendo os sentidos e quando lhes surgiu bela figura esfumaçante tocando uma sinetinha e oferecendo-lhes um pacto irrecusável, não foi à toa que nem leram o contrato em suas entrelinhas. Era muito tentador e aparentemente a solução de todos os problemas. Resolveram tocar a sinetinha também, afinal o que é uma sineta: um mero objeto? Que mal há nisso? E nem perceberam que ali estavam empenhando suas almas em troca de um pedaço de plástico com um chip que poderia muito bem ser o código do Diabo na barganha da alma.

Felizes, os dois mal sentiram a armadilha: estavam nas mãos do Dito e sua corja que arrebanharam mais gente para seu inferno em forno assante de almas iludidas no obter o que não poderiam ter às custas de armas essências como a venda da alma.
 Mal sabiam que num futuro não muito distante estariam queimando suas mentes na casa dos espelhos cujo circo é a ciranda da valsa louca.

- A arma está no possuir a alma. Longa gargalhada...

Andreia Cunha












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