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segunda-feira, 11 de julho de 2011

TRADUTTORE TRADITORE

TRADUTTORE TRADITORE
Confesso nunca ter me detido a analisar as palavras sobre as quais vou discorrer sob o ângulo da proximidade. Jamais imaginaria que ambas eram parentes e, por conseqüência, interligadas por laços tais como os sanguíneos nos humanos.
Traduzir e trair são as tais palavras.
Creio que fazemos tradução da vida o tempo inteiro. Vemos e ao criarmos um juízo do que vemos temos que necessariamente passar por um processo semelhante ao da tradução e adequação do fato conforme o visto. O mesmo acontece com o ouvir, o tatear etc. Antes de chegarmos a uma conclusão a respeito do que vimos, ouvimos ou sentimos se é de fato bom ou ruim, macio ou áspero precisamos traduzir aquela sensação para o universo da palavra que mais se aproxima daquilo que realmente sentimos.
Daí a tradução ser, nesse caso específico de minha análise, ampliado abarcando outras possibilidades que as de somente pegar um texto e passá-lo para outra língua.
Os bons tradutores (e mesmo os não muitos experientes sabem que é imprescindível saber um tanto da cultura, das tradições para se concluir com maior aproximação a tradução do escrito originalmente pelo autor adequando-o ao povo que o receberá).
Eis então que surge sua cognata: o trair. Em italiano, ambas são muito próximas: traduttore traditore – tradutor traidor. (O traduzir é o passar de uma língua para outra e o trair é o se fazer passar por algo que não se é)
Trair, portanto, é considerado um ato vil. Está interligado a trapacear, agir de modo injusto causando sofrimento ao ser vitimado de sua força. Deparo-me novamente com a maneira como sentimos o mundo e como ele em nós perpassa e se amplia de acordo com nossas ações.
Será que em nosso processo de tradução do mundo e do que sentimos e trazemos como pertencimento não nos faz traidores de nós mesmos e o pior de tantos outros ao tentarmos convencer nossos semelhantes daquilo a qual consideramos estar convictos de acordo com nosso sentir mesmo que de modo ingênuo?
O que sinto do mundo pode ser só e somente uma maneira do olhar daquele momento a qual vivo. Posso não estar bem e de repente tudo ao meu redor tornar-se sombrio, triste, sem vida. Como o oposto também pode acontecer. Nesses casos, não há meias medidas ou proporções exatas como no universo das ciências que dominam a exatidão na obtenção de respostas.
Como, então, termos certeza de não estarmos influenciando os outros com nosso olhar impregnado de sentidos, sentimentos e sensações que podem ser igualmente nossos algozes?(em gradações de excesso ou escassez)
Estamos todos sujeitos a erros no traduzir e trair primeiramente a nós mesmos e conseqüentemente ao outro por tentarmos impor ou convencer de nosso sentir traduzido.
Abrir os olhos, ouvidos e sentidos requer muito mais esforço do que imaginamos. Sentir por si próprio, construindo seus conceitos sem o crivo de opiniões alheias é em extremo complicado. E quem de nós pode dizer que verdadeiramente o faz sem se utilizar as demais traduções ditas por outrem sejam estas atuais ou as mais remotas nas linhas do tempo?
Incorremos no erro e continuaremos incorrendo porque atingir uma voz própria é também assumir outras vozes anteriores e as tantas posteriores que de nós se usarão para construir seus muros de verdades.
Creio que o ideal não é construir muros de verdades, mas simplesmente desmontá-los tijolo a tijolo para tentarmos ver o que aparentemente se esconde por detrás do que pensamos ser uma grande montanha.

ANDREIA CUNHA









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