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quarta-feira, 13 de julho de 2011

ÁCIDO TRAGICÔMICO EFERVESCENTE E EM PASTILHAS





Valia a pena saber aquela notícia? O que aquilo influenciaria sua vida? Questionava-se sobre suas prioridades ao pegar o jornal do dia no consultório. Andava tão angustiado com as últimas informações que essa dúvida pairou como nuvem sobre sua cabeça.
O cansaço pela inabilidade de sua classe em conseguir reconhecimentos causavam-lhe tantas dores, tantas pensações que julgou que seria mais feliz se não pensasse. Até desejou ser a peça da máquina do sistema.

Não conseguia. Seus conceitos estavam fragmentados, mas ainda tinha certa noção de como não agir. O agir ficava em outro plano, visto que não se via como uma andorinha tentando puxar o verão com manto em suas costas de ave.

Eram os descasos, as ironias e a verticalidade das ordens que mais o incomodava. As mãos enlaçadas, a mente envolta em trapos de pensamentos que como retalhos não combinavam. Uma imensa sensação de vazio e de falta de perspectiva. Aliás, as linhas em perspectivas se fechavam a ponto de sentir-se comprimido em paredes movediças.

O chão conseqüentemente também se deteriorava abaixo de seus pés e as pedras pontiagudas cortavam-lhe os calcanhares.

Não havia meio.
- Não havia meio! Externou sua angústia mantida no pensamento ainda com o jornal nas mãos. O valor de seu trabalho era inferior as suas necessidades como ser humano. Apertava o cinto, mas ainda lhe faltava para o básico.

Olhava o jornal, não o via realmente. Na verdade, nem mais queria. Era só um objeto nas mãos para não socar-lhe a face para que a mente parasse de pensar. O pensamento sufocava-lhe as veias. E o cardiologista não chamava. De que adiantaria também dizer ao médico de sua semana em pressões alteradas se o máximo que teria seria mais um comprimido para comprar e ter de se sacrificar? Estava ali nem mesmo sabia o motivo.

Os familiares e os amigos lhe diziam que tinha que se cuidar. Por isso estava ali, mas meio que no piloto automático. Suas pernas o conduziram pelas palavras que ouvira. Mas como a mente estava em outra sintonia o piloto automático teve que agir mesmo não sabendo se aquilo era o certo.

Tantas lutas e ainda tinha de pegar em armas como um gladiador romano em que a morte é certa na arena mesmo que no agora seja necessário manter a vida borbulhando e bombeando no ritmo dos gritos da platéia sedenta por sangue. Sua morte não vingaria a sua sorte e nem traria benefícios aos que persistiam na luta.

Vivia sua pós-graduação espiritual, embora não soubesse estar conduzindo sua pesquisa no caminho mais tranqüilo. Era o seu próprio orientador.

- ...Ou desorientador – disse entre um riso ácido. Até seu modo de rir estava impregnado pela crueza do pó da terra que se afiguravam nas areias do tempo em giros de ampulheta.

Era só um grão no girar agitado, nunca parava mesmo tendo passado pelo espaço ínfimo divisor do antes e depois.

Olhava as pessoas sentadas gentilmente aguardando sua vez. Vez de quê? Pareciam zumbis recém saídos das tumbas sem noção do que acontecia no exterior.

Provavelmente era outro zumbi sentado, mesmo com as aflições resguardadas na mente e de corpo sentado esperando a morte chegar. Lembrou-se de Raul, o Seixas e da música.

-... com a boca escancarada cheia de dentes...outro riso – esperando a morte chegar... uma gargalhada.
Começou a gargalhar a ponto dos demais o olharem espantados.

Seu riso era tão vivo, tão forte que contagiou um depois outro e em pouco todos riam de sua condição mesmo sem saber o real motivo provocador daquele ato aparentemente insano, mas cheio reflexões.

O riso lavou-lhe a alma. O riso levou-lhe a vida.
FIM

Andreia Cunha








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