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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A BOA VENTURA




Bem aventurados vós... Ela não conseguia passar daquele início de frase. Num ponto de ônibus juntamente com a mão materna segurando a sua esperava o tal que a levaria para casa. Seria pelo caminho do mar, no entanto por ser criança e por descuido em confusão entrou no que fazia o trajeto oposto.

Agora já era. Subira no ônibus que passaria por um elevado enquanto pensava consigo.

- Pena, daqui não posso nem ao menos vislumbrar o mar.

Ledo engano quando percebeu que nas alturas que a levariam ao centro da cidade começou a ver a ilha e a arrebentação das ondas mesmo que de muito longe; seus olhos não acreditavam. Antes não dava para ver e naquele momento via-se nitidamente. Demoraria mais para chegar por conta do erro. Mas a bela vista a confortava do suposto engano que a faria viajar horas a mais.

Não entendia porque a pressa, era apenas uma criança quando entrou no transporte pelas mãos maternas. Aliás, onde estaria ela agora? Entretida com a possibilidade de ver o mar esqueceu-se dos vínculos familiares.

Há tempos não pegava aquele caminho, por certo muita coisa nova a surpreenderia. Dito e feito. Entre os momentos em que o mar ficava encoberto, viam-se montanhas, pedras, rios e muita natureza. Encontrou um lugar confortável para se sentar, pois até então era de pé que estava, sentou-se bem à frente próximo ao motorista nos bancos mais elevados.

Após o deslumbramento era o livro que tentava pegar para quem sabe destravar a leitura inicial. Uma série de preocupações lhe sondavam a memória talvez por isso a falta de concentração no ato de ler além do ‘bem aventurados vós... ’

Sentou-se no chão como criança que achava ainda ser e apoiou-se no banco para desenhar. Melhor que ficar lutando com algo que não atava nem desatava. Ficou ali por pouco tempo. Em meio a curvas e declives o ônibus agora tomaria o caminho da praia. Ela não queria perder as novidades do caminho há tanto esquecido.

E como era belo! Não eram ruas, eram vielas em que somente de um lado tinham moradias, do outro um pequeno muro deixava ver o encontro da montanha com o mar cada vez mais próximo. Eram curvas belas e desajeitadas. Do ainda alto se viam as pedras sendo encharcadas pelas ondas altas da maré cheia.

Um espetáculo! Reparou que esculpido deitado numa imensa pedra havia um deus mutilado talvez pelo mar em fúria de tempos em tempos. Sim, era um deus mitológico. Faltavam-lhe pernas e parte dos braços parecendo pedra decomposta em areia sendo consumida pela força da água.

Aquela imagem não lhe saía da mente apesar de já estarem à beira mar. Era possível ver pessoas indo em direção à praia para um típico banho de sol. Felicidade era a palavra e o sentimento que a tomava por estar chegando ao lar.

-Nem demorou tanto apesar do erro.

Nisso se sentiu gratificada, mesmo com o que considerava errado a princípio, havia aprendido algo novo. Vislumbrara o belo na sublime figura do mar.

Descia adulta em meio a uma festa. Pessoas escalavam um morro em busca de um símbolo fluorescente deixado justamente para desafio dos aventureiros. Os que conseguissem a façanha teriam um prêmio em dinheiro. Mas para tanto teriam além de resgatar o amuleto deixá-lo em evidência para que todos pudessem contemplar o valor daquele símbolo.

Vi-o. Era verde vivo iluminado. Fora colocado no poste por uma mulher que o recebeu das mãos de um amigo. Contente pela conquista. Senti-me feliz embora não fosse participante de fato, só por estar ali aplaudindo a arte em ato de coragem já me fazia valer a pena todo o erro, todo o acerto, toda a vida em movimento.

Após tudo isso, o livro que carregava caiu aberto. Consegui ler a tal frase sem mistérios.
‘Bem aventurados vós que mesmo de olhos fechados conseguem vislumbrar bem como dissipar seus medos e seus mitos.’

andreiACunha




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