Powered By Blogger

sexta-feira, 16 de março de 2012

TRANSE TEMPORAL



A beira de um canal vem alguém e senta-se a meu lado. Puxa conversa como se aquele ato fosse sua corda de salvação de um buraco profundo. É uma conversa tola, não presto muita atenção, mas como levemente reparo na necessidade do outro persisto em fingir ouvir como um socorro para aquela alma aflita e cansada.

No fundo, eu também estava detido nos meus problemas a ponto de me deixar ali ver os pequenos peixes serem abocanhados por aquelas aves de pernas finas e penas brancas mais parecidas com garças.

O ser, que se pôs a falar, desabafava e graças a Deus não esperava meu retorno. Caso tivesse que responder, não passaria de um ‘hum, hum’ seco e distante. (Que triste usar o termo Deus para isso. No entanto, justifico-me com a mais tosca das desculpas: sou falho e quem não o é...).

Mesmo não tendo a menor vontade ou vocação para psicólogo deixei-me por cansaço completo e absoluto naquele estado de transe e apatia momentânea de quem olha, mas não vê; escuta, mas não ouve.

Julguei-me egoísta, mas aquele tempo era o único que teria para me esquecer. Logo teria de me levantar, pegar a moto e sair para os compromissos inadiáveis.

De repente, no meio de uma súbita pausa olhei para a pessoa que até então discorria sem parar. Grande susto o meu ao olhar sua face. Tratava-se de mim. Era meu eu um tanto mais envelhecido e maduro que tentava dialogar inutilmente comigo entretido com os problemas do agora.

Sem palavras nos olhamos, permanecemos assim por alguns segundos até que o amigo que adentrou o hospital retornou e num tom amistoso disse:

- E aí, vamos? “Simbora?”

Movido pelo mais intenso dos instintos levantei-me e saí sem me despedir apenas registrando aquele olhar como se meus olhos fossem uma câmera fotográfica. A câmera fotográfica da minha vida.

A última coisa que vi foram seus passos pelo retrovisor seguindo em direção a uma avenida...

Andreia Cunha




Nenhum comentário:

Postar um comentário