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sexta-feira, 2 de março de 2012

O DICIONÁRIO TRANSGRESSOR



-Sentenciado a morte na forca por evidenciar e incentivar o preconceito na sociedade brasileira.
Calado estava e calado permanecia apesar de conter em si todas as palavras disponíveis a seu favor.

Sem advogado, o dicionário contava com o bom senso dos presentes, no entanto como réu confesso por ter em si escrito todos os preconceitos presentes desde o alto escalão até a plebe não houve meio de defesa mesmo no ato humilde do silêncio a qual se mantinha irresoluto.

Ninguém ousava chegar perto dele, tomavam-no por sujo, indecoroso e mal feitor, já não era mais bem visto como elemento de cultura e saber.

Esqueciam-se de que ele era apenas um retrato escrito e falado da própria sociedade que agora o condenava àquela sentença absurda.

Em seus pensamentos linguisticos questionava-se: Quem são eles para me julgarem sendo que sou apenas uma clara evidencia do que eles mesmos usam e abusam?

Mas como tinha em si toda a filosofia guardada, aderiu a de Sócrates que mesmo sem culpa alguma tomou a cicuta, pois sabia que sua essência não permanecia somente em suas páginas, bem como no corpo que o filósofo sustentava em vida.

Não deixaria de existir apenas por sua condenação em morte. Os preconceitos permaneceriam além das explicações a que se propunha mostrar no espelho que eram suas páginas, o próprio homem se encarregaria de ampliar seu léxico em preconceitos.

Por isso, seu silêncio era o que de melhor possuía como resposta. Seria lembrado ao enfrentar dessse modo. Alguém mais adiante o julgaria com clareza. Conhecia bem o tempo, era em si completo inclusive nas etimologias. Não haveria de brigar utilizando as próprias palavras que o condenaram.
Ele amava as palavras e as tinha em auto estima, portanto não as usaria como meio de defesa das tantas sandices a qual o acusavam.

- Sendo assim peço que conduzam o réu à forca onde será executado na presença de público participante.  E tenho dito.

Ouve-se o som do martelo como juízo final enquanto era conduzido sob forte esquema de segurança a seu destino final.

Andreia Cunha




Esta crônica foi baseada no artigo da Folha de São Paulo 02/03/2012

HÉLIO SCHWARTSMAN

Censurando o dicionário
SÃO PAULO - Ou botaram alguma coisa na água do bebedor do MPF (Ministério Público Federal) de Belo Horizonte ou o parquet não sabe para que serve um dicionário.
É despropositada a ação civil pública que o MPF ajuizou pedindo a retirada de circulação do dicionário "Houaiss", porque a obra contém "expressões pejorativas e preconceituosas" contra os ciganos.
Entre as múltiplas definições para a palavra, constam "aquele que trapaceia, velhaco, burlador" e "agiota, sovina". Evidentemente, o "Houaiss" marca esses usos como pejorativos.
Não cabe ao lexicógrafo dar lições de moral ou depurar o idioma das injustiças sociais que ele carrega, mas tão somente registrar as acepções presentes e passadas dos vocábulos. Se deixa de fazê-lo, a obra torna-se inútil.
Por isonomia, o MPF deveria também mandar recolher todos os dicionários que trazem, por exemplo, o termo "beócio". Para essa palavra, o "Aurélio" registra: "curto de inteligência; ignorante, boçal". Se olharmos para a etimologia, descobriremos que estamos diante de um imemorial preconceito dos atenienses, para os quais os habitantes da Beócia não passavam de camponeses estúpidos.
Na mesma linha vão "capadócio" (natural da Capadócia, mas também ignorante, trapaceiro, canalha), "filisteu" (antigo habitante da Palestina e pessoa inculta, vulgar), "vândalo" (membro de uma tribo germânica e destruidor), além de "lapônio", "ladino", "safardana", "maltês".
Também carregam alguma dose de intolerância termos como "judiar" (agir como judeu e maltratar), "cretino" (quem padece de hipotireoidismo), "escravo" (que vem de eslavo).
No fundo, línguas são verdadeiros catálogos de preconceitos, às vezes nem originais, mas herdados de outros povos. Com o passar do tempo, já nem os reconhecemos como tal, mas as palavras em que resultaram enriquecem e dão caráter histórico ao idioma. Privar a língua dessa dinâmica é torná-la uma língua morta.

helio@uol.com.br

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