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quinta-feira, 9 de junho de 2011

UM ANJO NO METRÔ

Um anjo no metrô


Entrou no Paraíso... Metrô razoavelmente vazio... Carregava um instrumento musical envolto em uma capa vermelha com alças...
Pelo formato, seria, e só poderia ser, um violoncelo... Moça loira, franzina, com uma bolsinha florida, além de carregar o instrumento musical, é claro...

Aliás, não o carregava, pois parecia mais um anjo flutuando com sua enorme lira entre os mortais... Apesar do tamanho e do peso de um cello, este não lhe parecia pesado...

Logo se sentou e bem a minha frente. Colocou o instrumento entre as pernas de modo que parecia esconder-se nele...

Será que realmente se escondia? Desconfiou e, por isso, tentou esconder sua condição de anjo? Denunciei meus pensamentos e em sua condição onisciente percebeu minha desconfiança?

Não sei... Mas creio que não, pois durante o trajeto até a estação Conceição onde desceu, caminho curto, ela mal me notou em minhas observâncias...

Escondeu-se tão graciosamente entre o cello que a voluta do instrumento parecia sua cabeça e o corpo do instrumento, o seu próprio...Um violoncelo sentou-se, diria qualquer um que olhasse sob o meu ângulo... Nesse micro trajeto, uma ou no máximo duas vezes afastou o instrumento para observar o nome da estação em que estávamos...  Breves momentos em que revelava um pouco de seu perfil...

Aos poucos, o metrô ia enchendo... Algo um tanto estranho, pois estávamos a caminho do terminal rodoviário, a estação Jabaquara... E nesse caso, é mais comum descerem pessoas do que subirem... Mas dos que entraram, ninguém interferiu que nos víssemos – o cello e eu... Naquele meio em que muitos se acotovelavam à procura de um espaço, Ela e Ele pareciam seres de outra dimensão...

Visíveis, nessa condição, somente para mim...
Alguns dos que estavam sentados, dormiam de babar pelo canto da boca... Outros absortos em seus pensamentos olhavam o nada que passava velozmente pelas janelas... Outros tantos liam e só eu observava aquele ser sublime e sem rosto, encoberto por umacaixinha musical angelical gigante...
Sinceramente, quem parecia exalar notas musicais não era o instrumento... Naquele momento, era a moça... Ela, sim, estava em sintonia de sinfonias inaudíveis para ouvidos comuns – insensíveis a sua sonoridade...

Quando, por fim, levantou-se, tive a sensação
 de dor pela perda de algo fugaz, mas muito revelador... Levantou como quem volita entre os deuses... Ninguém a impediu de passar ou a tocou nem num esbarrão... Como se a reverenciassem na sua descida de passagem livre feita por um corredor de pessoas... Sua música já era um pedido de licença?...

Flutuou até a porta carregando com a mesma leveza e suavidade o seu amado cello... Sumiu entre a multidão para nunca mais ser vista... Mas quem sabe para ser só e somente ouvida...


Andreia Cunha



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