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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

BOLSA DE VALORES



Trabalhava a mais de vinte anos naquela profissão estressante, só perdendo claro para a mais estressante das profissões atualmente: a de professor.

Lidar com especulações, números, altas e baixas era interessante no princípio da carreira, porém, com o passar do tempo isso já afetava seu humor. Foi diagnosticado como bipolar. Os níveis de alteração das bolsas afetavam bruscamente seu comportamento e isso estava se tornando constante devido à instabilidade do mundo econômico-financeiro.

Certo dia, parou para repensar sua vida e fatalmente caiu na graça do nome: bolsa de valores.
Quais valores estavam sendo priorizados ao longo de sua vida? Qual o motivo de tanta oscilação? Mulher e filhos tinham dificuldades em lidar com seu ser cada vez mais instável. De forma que à medida que esses pensamentos foram se proliferando, ele resolveu tomar uma decisão intensa tanto quanto seus estados de bipolaridade.

Passou a carregar uma bolsa cheia de valores que buscava oras com o Senhor Aurélio oras com o Senhor Michaelis. Encheu-as de papéis com os respectivos significados das palavras novas. Os amigos passaram a notar alguns comportamentos inusitados além da repentina simpatia mesclada com antipatia e mal humor.

Entretanto, ele achava que aquela atitude não estava adiantando muito, pois as palavras pareciam vazias. Ele as escrevia e em pouco tempo pareciam sumir do papel com se fosse uma esponja sugando o conteúdo nele posto.

As palavras se tornavam vazias igualmente como a folha de papel. Não bastava conhecer o significado. Colocá-las em prática era o grande lance de vida. Só que isso era talvez tarde para um homem extremamente acostumado com os valores materiais.

Antes do fatídico dia retirou a palavra respeito. Achou-a muito indecorosa. Imaginem, peito no meio. Esta palavra tinha que ser resbusto. Mais elegante. Leu o significado: do lat respectu. SM. 1. Aspecto ou lado por onde se encara uma questão, modo de ver, motivo, razão. 2. Apreço, consideração. 3. Obediência, submissão. 4. Referência, relação. 5. Medo, temor, receio.

O significado vinha ao encontro de suas expectativas, embora ele fosse de encontro ao peito no meio da palavra. Discordava totalmente daquilo. Mas como todo bipolar, foi questão de minutos para discordar de tudo afinal medo temor e submissão não eram palavras comuns para seu comportamento. Começou a brigar com a própria palavra.

E a ira foi tão grande que esmigalhou o respeito atirando-o no cesto. Retirou outra para ficar mais tranqüilo. Algo deveria falar com seu estado. Sua bolsa de valores não o deixaria na mão. Desta vez foi disputa. “Santo Deus, o que é isso? Um show de palavrões guardado comigo! Dis-puta. Não digo, não diria e jamais a direi.”

Disputa não era bem um valor, mas a ausência de um caso usada de forma irrefreável. Dis-pu-ta: 1. Contenda, discussão. 2. Altercação, rixa. 3. Competição literária, científica, esportiva etc.; concurso, prova, certame. 4. Realização de uma prova ou certame.

Desta vez, não deixaria cair no esquecimento. Tomaria aquela palavra como um sinal. “Não vou mais discutir com essa tal bolsa. Chega, já é demais. Nunca vi tamanha falta de educação: respeito e disputa. Peito e puta...”

Tomado por um surto de extrema violência estraçalhou a bolsa os papéis e também aqueles que naquele local estavam e sumiu para nunca mais ser visto.

Dizem que foi encontrado como morador de rua, maltrapilho e mal cheiroso, declamando suas simplórias poesias com palavras educadas e respeitosas.

Não há palavras mais vazias do que aquelas metamorfoseadas pela boca humana deixando-a nua e envergonhada perante sua existência e criação.

Andreia Cunha







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