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segunda-feira, 25 de junho de 2012

NA SURDEZ, NÃO NA SURDINA




Até aquele instante, considerava ouvir muito bem... Não, não foi na surdina vindo de mansinho. A audição sumiu de súbito.

Considerou, à primeira vista, o fato de ser de repente como positivo, pois pôde perceber que algo errado acontecia sem mascaramentos. Outro quesito era o imaginar: tudo o que repentinamente surge, repentinamente vai. Portanto, do som ao silêncio também do silêncio ao som.

O problema maior era o meio do caminho, o percurso até que tudo voltasse às boas. Causava-lhe mal estar querer ouvir e falar, participar do mundo ao redor sem conseguir por conta dos ouvidos surdos.

Sentia que todo seu corpo eram ouvidos inúteis tentando agir no mundo, no entanto, ela ali embrenhada nos nós de seus labirintos auditivos estonteantes sem nada de efetivo poder fazer.

Ela, não podia ‘ser-se’, pois que toda paralisada em seus próprios sons não sabia como conduzir os demais sentidos – tão toscos quanto à perda auditiva que a tornava humana e debilitada, criatura humilhada e rastejante de um destino que apenas a encontrou pelo caminho.

Lembrou-se do versículo bíblico: “Quem tem ouvidos, ouça...” Ela os tinha, porém por intempéries mal humoradas de alguma parca carpideira se viu nessa triste condição.

A condição da existência é conhecer e reconhecer-se com suas limitações mesmo que a arrogância e a vontade nos façam prosseguir em busca de resposta definitivas . Parar a mente não produz e o pensamento é a energia que auxilia os movimentos das fantasmagóricas almas mesmo que por caminhos tortuosos.

Então, ela, humana criatura se via nessa condição apenas ouvinte de suas vozes interiores que por horas tentavam ensurdecê-la para o exterior ativo e borbulhante como refrigerante ou sal de fruta. Até mesmo suas vistas turvavam na busca por respostas. Teria mesmo que reverter a angústia e entender o que dela as vozes estavam lhe propondo como novo conhecimento.

Talvez propusessem um renascimento pelos ouvidos. Ela se pariria pelos ouvidos. Teria seus nove meses de gestação apenas ouvindo os batimentos cardíacos do novo ser que em si crescia...

Os enjoos eram inevitáveis e suas ânsias se revertiam em palavras. Seus vômitos eram vocábulos a princípio desconexos que com o tempo formariam uma carta. Sua surdez era produtiva e a traziam para um renascer ilimitado por meio de suas limitações. Estaria mesmo dando valor à audição mais que aos demais sentidos sempre desenfreados pela boca?

Fato é que se ouviu mais.  Os ouvidos, fartos estavam, somente da boca em ação como comandante desenfreada comprometendo todo o corpo. Embora produzissem comunicação com ela por meio de suas vozes labirínticas.

Após a gestação o que nasceu foi o reconhecimento do ato de ouvir. Ouviu-se mais, falou-se menos. Era a vez da boca calar-se. Afinal Há tempo para todo o propósito, portanto, quem tem ainda ouvidos, OUÇA...

Andreia Cunha





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