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sábado, 9 de fevereiro de 2013

CÍCLICO




Um rio fluente. Sua vida seguia um curso. Não sabia muito bem onde desaguaria, no entanto o desfecho era certo na proporção do ver toda vida fluir nos outros e também em um tanto de si.

Acabara de levantar da cama um tanto zonzo pelas noites febris e a falta de noção era considerada normal. Não sabia muito bem se vivia ou já partira. Fato era que tinha sede. Ele, rio, tinha sede... Riu meio sem jeito da graça e do trocadilho.

Conseguiu chegar à cozinha e encher o copo quando se deu conta de estar totalmente só. Apenas a água escorria ralo abaixo pela torneira ainda aberta. Fechou-a... O silêncio quebrado não com voz alheia, mas pela água o incomodava como se os ouvidos ainda estivessem conectados ao mundo interior. Só somente sentiu-se abandonado nesse instante de melhora.

Apesar de tudo seu corpo ainda pedia cama, ele todo árvore movia-se como se não devesse ter saído do quarto. Seu caule ainda pouco firme precisaria mesmo de esteio contra ventos e tempestades.

Alimentado pela água como meio de revigorar as células – uma a uma, poderia talvez voltar ao seu mundo atual restrito àquele quarto.

Acordou com a claridade e um vento suave batendo no que de seu corpo ainda se mantinha descoberto – o rosto. Alguém abrira a janela. Uma vontade de chamar, mas a boca não obedecia. Vislumbrou apenas com a audição uma tentativa de sintonia de rádio à procura de uma estação.

Com certa dificuldade abriu os olhos. Era uma figura feminina que ali se mantinha enquanto ele tentava novamente se pôr firme para a vida. Tronco caído, tombado, talvez cortado. Ela, toda flor, bela e perfumada fez com que novamente o rio se manifestasse em suas veias.

Um ar de novidade invadia com o abrir da janela e os olhos. Parecia que tudo possuía um cenário e não apenas um tronco quase seco e desfigurado pelo delírio quente e frio da febre.

Montavam, juntos, um quadro bucólico aliado a uma esperança verde-água. Riacho em início de primavera. Seria um princípio de paixão? Suspirou desejando melhorar como antes não fazia.

Amar era para os loucos fortes perdidos na guerra, mas ainda detentores de um certo conhecimento que a ele não cabia pois seu corpo era franzino de quem nunca empunhara uma arma de guerra.
Ele agora é quem parecia o louco, o insano... Como vislumbrar amor deitado numa cama ainda desconhecendo o que o colocou ali em agonia?

A moça retirou-se. Não sabia quem ela era. Mal sabia no fundo quem ele era. A não ser pelo desconforto provado no corpo com o passar do tempo. Tentou sentar.

Logo, adentraram felizes com seus piares-passarinhos por vê-lo reagindo. Ele mal entendia, porém um grupo de aproximadamente cinco mulheres e um homem se puseram a beijá-lo e mimá-lo como se fosse o bichinho de estimação que passou pelo vale da sombra da morte.

A moça não estava.

Enigma. Incógnita. Criptografia. Desígnio. Destino. Mistério . Absurdo. Vagando vazio no limbo de não saber se ser. Quem era? Quem também era a moça?

Nos dias que a via: vida. Nos dias que se seguiam: rotina e inquietação.

Era um anjo a moça, pois nela sentia voltar-lhe a luz, o desejo, a vontade de esboçar um desejo de criança para depois pintá-lo como meio de viver.

No dia em que recobrou a memória. Preferiu a morte. Ela era sua irmã.

Aquele ele morreu. Febril e seco feito tronco cortado.

E o rio continuou a fluir o seu curso natural.

andreiACunha







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