O livro ardia em suas mãos e seu conteúdo parecia conter letras escritas a fogo. Queria lê-lo até o fim. Mas nessas condições era quase impossível, pois logo que o tocava passava de baixas a altas temperaturas em segundos.
- O que o prendia?
O assunto. Este era mais que um meio de se compreender, era sobretudo um meio de encontrar as múltiplas figuras que habitam o profundo de seu ser prefigurando-as no próximo. Cada vez que lia, mais peças lhe eram fornecidas para o quebra-cabeça que tinha em mente.
Doía-lhe ter de pegar o livro e logo largá-lo, não adiantava recursos na tentativa de burlar seu calor. Era um calor que pensava. A chama do conhecimento não se pode facilmente enganar. Ela queima, deixa marcas, entretanto de uma maneira tão aprazivelmente interessante que tê-las era quase que um prêmio a ser mostrado. E ele não desistia justamente por ser uma alma sedenta de palavras, idéias e pensamentos. Nada o distanciaria desse prazer sofrível e necessário ao mesmo tempo.
Enquanto narradora, fico confusa juntamente com o leitor em estar relatando algo tão controverso do sentir alheio prefigurado nessa personagem. Desculpem-me por não apresentá-lo logo no início.
Bergos Legorj era um homem extremamente culto na qual buscar a luz da sabedoria era mais que um objetivo de vida, era em si a própria vida. Queimar-se era somente um processo de purificação: um ritual que o consumiria na carne, mas o libertaria na alma. Guardava muitos misticismos das leituras anteriores que bem o marcaram no corpo e no espírito inquieto.
A mesma chama que ardia no livro também habitava seu ser. Aos poucos isso era mais que um desejo, e estava se tornando a mais bela verdade. A verdade que lhe habitava era a de também ser o fogo purificador presente nos livros (objetos sagrados para ele).
Em seu processo alquímico estava se metamorfoseando para alcançar as camadas mais elevadas dos planos mentais de consciência existencial. Aos poucos seu corpo era só e somente uma luz que iluminava a biblioteca lugar que almejava morar por puro prazer.
Até que realmente num determinado dia, sua luz resplandeceu tão grandemente forte que naquele recinto jamais houve espaço para o anoitecer. Pelo que consta hoje sua luz é suave e perene, não cega, mas continuar a queimar os que nela querem se aprofundar percorrendo seus corredores labirínticos plenos de sonhos e mistérios.
Andreia Cunha
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