Leu aquele toco de frase num e-mail. Achou-a engraçada e ao mesmo tempo profunda mesmo que com pouquíssimo conteúdo. “A vida é desenhada sem borracha”. “Então era isso! Não poderia errar? Caso contrário o rabisco permaneceria ali pra todo mundo ver?”! Achou um tanto cruel não haver nenhuma borracha que pudesse esconder o mínimo erro... Pensou ainda mais... “Que espécie de desenho estaria construindo?” Isso era um convite a repensar toda sua vida... Repensar-se por completo...
“Será que não teria nenhum ‘branquinho’ para consertar pequenos pecadinhos?” Senão houvesse todos, inclusive ela, estariam ferrados... Não havia quem fosse perfeito do começo ao fim! Pegou papel e caneta (já que não poderia mesmo apagar) e imaginou que na infância talvez fosse o desenho mais perfeito que um ser humano pudesse fazer de sua vida, embora quando criança desenhemos aquelas garatujas indecifráveis, mas, cheias de significados para nós... Esqueceu-se de que o desenho era a vida quem fazia não o próprio ser... Para ela, mero detalhe... Imaginou que o desenho da vida de uma criança fosse o mais perfeito pelo fato de se referir a seres inocentes... Imaculados da malícia .
Não conseguiu delinear nada... Apenas um ponto no papel por permanecer ali tanto tempo pensando no que desenhar... “É, talvez fosse isso... A infância seria somente um ponto dentre muitos outros que formariam o tal desenho... Oras todo desenho parte de um ponto e a junção de muitos formam um desenho... Não era isso?” Sentia-se insegura em suas colocações por não conhecer muito bem da arte do desenho...
Era mais ligada as coisas práticas, racionais... Mas aquela frasezinha boba deixou-a desarmada... Tinha se lembrado de algum segredinho bem oculto do seu ser? Por isso o desgaste com aquele amontoado de palavras que a fizeram parar para refletir? Não queria despender mais tempo com aquilo...
Preferia mesmo pensar no desenho de sua vida em si... Colocou no papel seus objetivos atuais... Talvez, pudesse ponderar sobre qual aspecto tinha colocado como primeiro plano para ter uma vaga idéia de como seria esse desenho esboçando-o num quadro... Difícil... Eram tantos, principalmente para uma mulher casada e com filhos, mas que mesmo assim assumia uma jornada dupla ou tripla muitas vezes para manter juntamente com o marido o sustento da casa e das regalias de uma família com quatro componentes... Percebeu que se referira a família de uma maneira tão matemática!!! Dúvidas que poderiam ser bem mais facilmente resolvidas numa daquelas equações de segundo grau com aquelas incógnitas em sistemas de igualdades... “Nossa!” Foi nessa outra pequena colocação que percebeu o quanto estava fria para um ser humano... Será que aquela frasezinha era um meio de acorda-la para a vida... E mudar um pouco o foco de seus objetivos principais?... Talvez os secundários fossem os mais importantes e por isso deixados para trás... Quanta coisa uma besteirinha de frase de e-mail poderia dispensar... Parou aquele slide depois de vê-lo bem umas três vezes... Era um barco visto de cima deixando aquele rastro típico de ondas espumantes atrás de si e a frase letra a letra se formava...
O letra a letra talvez fosse o motivo de tanta agonia... Aumentava ainda mais a expectativa para o que viria... Ainda assim no papel que pegara continuava somente um ponto fixo na folha enorme... Agora qualquer coisa que saísse dali sairia com erros... Tanto tempo e aquele ponto já estava enorme, pois a caneta soltou aquele pingo típico de quando está muito tempo parada num mesmo lugar...
Mesmo assim não desistiu... Família, Condição social, trabalho, filhos, marido casa e... faltava algo... concluiu que só poderia ser Ela mesma... Visto que todos os membros da casa estavam lá... Seu quadro seria então um amontoado de pessoinhas desenhadas como palitinhos de perninha bracinhos raquíticos e carinhas de bolacha ‘Maria’? “Ai... Ficava cada vez mais complicado pensar naquilo tudo”... Sua vida era ser somente servil ao povozinho desenhado? Pensou que mais tarde cada um tomaria seu rumo... Até mesmo o marido poderia tomar um rumo diferente... E seu desenho seria uma anulação dela mesma? Na qual estaria apagada lá no último plano mais raquítica que os demais?
Largou a caneta... A vida era muito complexa para ser desenhada assim de relance... Precisaria uma vida inteira para tentar pôr algo concreto no papel... O ideal era mesmo viver e deixar o desenho por conta do desenhista-mor... A cabeça estava cansada de tantas pensações inúteis... Queria mesmo era dormir... Não sem antes um belo banho... Iria ao quarto dos meninos... Apagaria a luz e por fim deitaria na cama ao lado do marido que provavelmente já estaria no décimo quinto sono para acordar cedo no dia seguinte... Para iniciar sua rotina habitual desligaria o PC... Deixaria ali aquela frase doída e doida para quem quer que fosse, pois já havia encaminhado a mensagem para todos da sua lista...
Queria mais era um sossego das horas do dia... A noite a esperava e ela sim era a única criança que queria tranqüila a seu lado na cama além do marido... Deixou seus questionamentos sumirem como a tela preta que encerra o Windows e deixa o computador pronto para ser desligado enquanto ela também se desplugava da tomada...
Andreia Cunha
Andreia Cunha
Arte de arteiro
Verdade, nos vemos várias vezes com a caneta na mão, tentando rabiscar algo enquanto o pensamento voa longe. "Voltamos", não rabiscamos nada, guardamos a caneta e começamos a rotina diária...mas a vida é isso..começo, começo e começo. Adorei Andréia. Bjs.
ResponderExcluirMary Jane