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domingo, 12 de junho de 2011

TRAJETÓRIA DE VIDA DE R$ 1,00

CaraCoroa

Recolhida em sua insignificância... Assim estava... Humilhada e amassada em um bolso de uma calça também rota e mal ajambrada no corpo de quem a usava... Era uma nota de um real...
Lembrava-se do dia em que saíra do banco central, exalando seu perfume maravilhoso de nota nova... Papel novinho em folha e marca d’água intocada por nenhum tipo de mão que a tivesse analisado como verdadeira ou falsa... Ao nascer, imaginava qual seria seu destino... Naquela época ainda possuía algum valor moral e conseguia valer algo importante... Tinha esperanças num futuro...Ao ser passada num mercado, por exemplo, ainda daria troco para sua antiga dona... Era cobiçada por todos e por todas as faixas etárias...Mal sabia que anos depois estaria naquela condição... Suja, num tom verde amarronzado, rasgada, esmaecida e valendo tão pouco ou quase nada do que nos auges da glória inicial... Seu fim agora era o de pular de mão em mão em bares, lojas de 1,99 e ser jogada igualmente de mãos em mãos em questão de segundos como troco vil de compras rotineiras... Quando, por um acaso, entrava em uma carteira quentinha e aconchegante era por pouquíssimo tempo, pois logo já seria descartada entre as demais que tinham um valor maior... Era uma nota de alta rotatividade, porém preferia não ser...Estava cansada daquela vidinha de prostituição comercial... Cinco médias-  R$ 1,00 – cinco chicletes – R$ 1,00 – um pacote de figurinhas – R$ 1,00 – um rabo de galo – R$ 1,00 uns poucos miúdos de frango – R$ 1,00... Queria aposentadoria...  A merecida...
Sonhara fazer parte de alguma coleção futuramente... Algum amante de notas antigas...Sonhara envelhecer dignamente talvez num banco numa conta de previdência privada... Ou ter se “prostuído” e se acabado na troca por algo mais valioso... Na compra de uma jóia, mesmo que com a ajuda de outras tantas colegas... Jamais amigas... Porque não tinham tempo para aprofundar relações devido à profissão que exerciam...Entristecia-se ao rememorar que também já fora trocada por algum tipo de droga e partilhou dos meios ilícitos baixos nas mãos de bandidos e corruptos... Porém, corrupção maior sofrera quando, de maneira desconhecida, fora parar por acaso no Congresso, ainda quando estava limpa e valorizada... Já fora fria e quente, serviu para esquentar negócios escusos, pastas rosas, verdes, maletas chiques, cuecas e carteiras de grife... Não que gostasse de fazer parte disso...É bem verdade que preferia estar nos negócios lícitos, mas desde que este não fosse tão humilhante... E que não contribuísse para sua destruição física e moral...
Agora estava ali, naquele bolso bêbado que prestes seria... Lavado... AI AI AI... Fora esquecida naquele bolso?... Naquele escuro profundo de bolso não tão raso e quase rasgado de tanto uso, assim como ela?... Estava num cesto agora... O de roupas sujas... Por isso aquele odor ma-ra-vi-lho-so... Almejava um fim... Por horas pegava-se pensando em ser uma moeda...Mesmo que rolasse para algum bueiro ou esquecida em algum cofrinho de criança... Não teria um fim tão rápido...Tantos sonhos e em tão pouco tempo tanta desilusão... Estava depressiva... Angustiada... Sabia que estava chegando o seu dia... Estava sendo levada para a máquina de lavar...Sentiu a água ensopando-lhe primeiro...Em seguida, o cheiro suave da morte premente com nome de alguma marca de sabão em pó... Logo passaria pelo crivo do sacode, bate, sacode, bate dos movimentos giratórios...
Enfim, antes de morrer ouviu uma voz, talvez a de um anjo... Existiriam anjos de sua categoria? Era uma voz meiga, suave e assexuada dizendo–lhe: DEUS SEJA LOUVADO.
Por fim, sentiu tontura e quando centrifugava deu seu último suspiro de dor...
Amém...

Andreia Cunha




Um comentário:

  1. Escrever é minha paixão. Nas palavras minha carne se transforma, modifica, se cicatriza e se renova. Sou aquilo que escrevo. Sou palavras em constante significação.

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