O Que é o fogo?
O fogo, essencialmente duplo, realiza pois a síntese da conexão
objetivo/subjetivo e em contrapartida comporta a marca do falso peso dos
valores não discutidos. Como pois ir de encontro à barreira da intuição
primeira? O zombar de si mesmo?
O fogo e o calor respeitam inicialmente às essencialidades. O bem e o mal aí se
localizam. Contraditório, facilmente se presta a princípios de explicação
universal.
A psicanálise do fogo - Gaston Bachelard
As labaredas tomavam conta dos sitiados. Imensas chamas
asseguravam que o fim estava próximo e para eles com muito mais calor do que se
poderia um dia imaginar.
Algum maluco incendiário e cheio de poder ateara fogo como
meio de purificação da zona atingida. Afinal os batismos já não estavam mais
resolvendo. A água hoje pobre e impoluta por tantos resgates de almas fétidas
na lama da podridão carnal já não serviam mais como meio de purificação.
Nada mais justo que o fogo fizesse esse papel. “O fogo
liberta, consome as impurezas e as recoloca em seus estados de origem: ‘do pó
vieste e ao pó tornarás’...”
Ali, enclausurados, homens, mulheres, inclusive crianças e
idosos esperavam aos prantos berros e lágrimas a hora em que o fogo humanamente
travestido de justiça os consumissem como churrasco do inferno.
Provavelmente regado a muito carnaval e cervejinha para
refrescar os ansiantes apoquentados pelos mármores das funduras diabólicas e
esperançosos pela comida que em breve exalaria seu odor inebriante: ‘Oba, carne
humana!’ eles se fartariam na gordura e não mais sentiriam os tantos males da
terra abissal líquida e ígnea como as lavas do vulcão que os levava as
profundezas.
Os consumidos pelo fogo seriam o prato da vez enquanto o
louco incendiário cheio de poder exaltaria seu riso descompassado como sinfônica
melodia a ser restituída como hino da nação que estaria prestes a fundar.
Seria o novo dono do mundo, mesmo que retido a alguns poucos
metros quadrados como o seria a princípio.
Em breve teria a sua glória plena e as chamas arderiam em
proporções estratosféricas libertando o universo como se o planeta fosse um
incenso aromático e agradável aos olhos de algum criador maléfico e cheio de
fúria para castigar os que não o obedeciam.
Por enquanto, ele, criatura, se contentaria com seus poucos
metros quadrados. O depois viria com um plano mais elaborado e inspirado por
mentes santas que o conduziriam a satisfação de ver um novo mundo: pleno, justo,
divino, purificado e também queimado.
Andreia Cunha
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