O Senhor Inácio sempre fora um homem sério. Suas atitudes
condiziam com a austeridade de seu trabalho. Militar desde muito jovem,
risadinhas não competiam com seu caráter.
Obvio é que tudo tem sua lição e seu aprendizado. Em sua adolescência
antes dos rigores do quartel, sim ele ria bastante. Tirava sarro de colegas e
não poupava sarcasmos e ironias quando a situação favorecia.
No entanto, com o passar do tempo e a maturidade incluindo
nisso sua lida foram lhe trazendo claridade quanto aos comportamentos infantis
e adolescentes a qual não mais condiziam com sua nova personalidade.
Austeridade, seriedade, sobriedade, aparente serenidade,
muito siso e pouco riso foram se tornando palavras que conduziam como leme sua
embarcação de vida.
Casou-se teve filhos e até mesmo nos momentos de maior
descontração sempre adotava o estilo
continência para permitir que os filhos pudessem brincar. Ele jamais se
liberava apesar de certo orgulho em ver as crianças em sua melhor fase.
Julgava que quando crescessem, assim como ele, adotariam uma
postura mais austera. Nisso até que era compreensivo, pois não poderia permitir
tanto militarismo até mesmo em seu lar. A atitude era dele embora com a mulher às
vezes exagerasse.
O dilema viria agora já que em vias de aposentadoria teria a
chance de se ver livre das rédeas ideológicas do regime militar. Mas isso são
conjecturas dessa narradora que conduz como fios a história que está contando.
A mulher pensava que talvez com a aposentadoria, ele pudesse
mudar um pouco ou quem sabe muito dessa forma de ver a vida. Esperançosa para
ter um marido normal, ela assinalava os dias no calendário para o ocorrido como
criança que espera o natal na ânsia de abrir seu presente favorito.
Quando enfim o dia chegou, foi dada uma festa na qual boa
parte dos amigos compareceram para brindar o descanso merecido do Coronel. A
festa decorria com alegria dos presentes que a demonstravam com risos e
conversas. Do meio para o fim, com muito mais bebida, os convidados não mais
riam, gargalhavam e berravam o nome do Coronel que levantado por seus subordinados
fiéis comemoravam aquele momento solene.
A esposa ficou em intenso êxtase ao ver que os demais
colegas de seu marido se permitiam liberar dos rigores do sistema a qual
viviam. Ela, a mais contente de todas as mulheres, não se continha ao ver tanta
felicidade.
O coronel meio alto (tanto no fato de ser levantado quanto o
da embriaguez) batia continências aéreas e emitia comandos para os amigos que
em saudosa ola o jogavam para as alturas batiam continência e ainda conseguiam
pegar a tempo o Coronel voador.
Tudo aquilo era surreal aos olhos da mulher. Os filhos do
casal não acreditavam no que viam, mas também movidos pelos líquidos sagrados riam
desbragadamente de tudo o que acontecia como um verdadeiro espetáculo que
merecia ser aplaudido e reverenciado.
Afinal não é todo dia que se vê um militar nas alturas como
era o caso.
A festa não tinha fim de modo que muitos se esparramaram nos
cantos da casa e dormiram por ali mesmo. O Coronel foi um deles. A esposa nem
se importou e contente foi para seu quarto como se tudo aquilo fosse o
princípio de uma nova vida.
No dia seguinte, o Coronel - que tem o hábito de acordar
cedo -, se vê no meio da mais repleta balbúrdia e sem se lembrar do que
aconteceu especificamente no dia anterior (referente aos momentos mais
acalorados da festa), se assusta com tanta falta de disciplina.
Em meio a uma horrenda dor de cabeça e uma zonzeira
inexplicável, levanta-se e começa a pôr todo mundo para correr. Os mais afoitos
e desbaratinados saíram sem bater continência, os mais rigorosos perceberam
estar diante de um líder e mediante o ato respeitoso se retiram rapidamente
envergonhados por tamanha imprudência.
A esposa, assustada desce as escadas em desembestada
correria e se depara com o velho Homem colocando a disciplina para funcionar.
Para ela também sobrou um aviso: ‘Ponha já essa casa em ordem, você e todas as
serviçais a qual pago em dia, caso contrário... ’
Tudo voltava a ser como antes independente da retirada do
trabalho habitual em forma de aposentadoria.
Afinal para ele, Coronel, gargalhadas só e somente no
gargalo.
Andreia Cunha
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