Agora, suas expectativas eram mínimas. Um cansaço juntamente com o calor e a sede faziam-no um ser condenado à morte, caso não encontrasse realmente uma ajuda rápida.
A que se prontificou, disse que buscaria reforço, mas infelizmente não mais apareceu. De qualquer forma, permanecia uma vaga esperança aguada pelos minutos aquarela que se descoloriam com o tempo.
O quadro que estava sendo pintado era um misto de terror com tragédia. Embora houvesse sol, claridade e vida acima daquele amontoado de terra formadora de um buraco.
Suas forças estavam se esgotando e a fraqueza do corpo pela falta do líquido da vida o deixavam mais para folha seca do que qualquer animal do deserto preparado os infortúnios desse clima.
Nada podia e nada lhe restava a não ser gritar e esperar. Queria a chuva e ao mesmo tempo não. Caso esta viesse em enxurradas morreria inundado, mas sem sede. Caso contrário, nem pensava, pois era exatamente como estava no presente.
Meio delirante em seu estado calamitoso, recordava-se dos bons momentos: amigos, fome saciada, cama de ébano sempre bem feita, conforto e os desconfortos sempre satisfeitos pela facilidade de locomoção.
Gostaria de voar como as moscas que se acumulavam nos dejetos produzidos pelo seu corpo. Uma secura de lábios, de corpo e alma. Como havia acontecido aquilo e por que tanto descuido?
Não se lembrava de muitas coisas. A cabeça não lhe ajudava. Deitou-se como quem cai sem solução na ânsia da morte que se atrasa pelo caminho.
Sonhou um salto, ao menos em algum lugar haveria de ter uma saída. Um salto sem asas. Sabia não ser anjo para obtê-las gratuitamente. Tinha seus débitos espirituais.
Delirava um salto de girar de ampulhetas. Havia ainda uma força sobrenatural acima que o tornaria maior do que a pequenez de seu corpo. Não precisaria nem saltar. Um toque de mão e um impulso o fariam liberto, o trariam para a realidade sonhada e vivida no antes.
As peças do quebra-cabeça da vida não se encaixavam, flutuavam sim em seu redor.
A ideia se formou. Um insight de delírio foi se revelando.
As peças!
Aos poucos, estas iam formando uma escada. Uma subida perigosa, pois estavam soltas – balançavam instáveis pela falta de fixidez.
No entanto, aquela era a sua chance. Ajoelhou-se na primeira, galgou até a segunda, quase caiu na terceira, a quarta balançava mais que as demais pela altura que se elevava e a proximidade com as alturas mais etéreas.
Se antes tudo lhe tinha sido cômodopelas facilidades da vida que levava, agora algo superior lhe mostrava o verdadeiro valor dos fatos quando obtidos com dificuldade.
Na verdade, seus pensamentos não existiam, estavam todos voltados para o esforço a qual deveria exercer. Uma intensa luz que não se poderia dizer branca de tão irradiante se prefigurava lá no alto. Isso dificultava ainda mais o enxergar das peças cada vez mais distantes uma das outras.
Para alcança-las tinha que esperar um vento que as colocassem em posição adequada e próxima de suas mãos. Deveria ainda arranjar forças para pular.
Quando em perigo e situações desesperadoras, o ser humano encontra sempre algo sobrenatural que lhe dá um empurrãozinho.
Uma corda bateu-lhe à cabeça e se fez bater no chão do abismo estreito.
Vozes se avolumavam na saída do buraco. Eram apenas sombras mediante o excesso de claridade.
Morte, Destino, Delírio, Desejo, Desespero e Destruição ainda eram suas companhias. Não sabia como agir: se tentava alcançar a corda ou continuava a empreitada pelas peças.
Parecia anestesiado com morfina. Ouvia as vozes que lhe pediam para segurar a corda, mas ao mesmo tempo uma debilidade de corpo e mente o faziam escravo da Indecisão.
Sentia seu corpo trasnformando-se em areia e era exatamente isso o que acontecia.
Um vento mais forte o tomou e como num jato; saiu dali conduzido por essa força.
Das alturas, ainda viu os homens gritando para que pegasse a corda. Infelizmente não conseguia se comunicar com eles que em vão tentavam um retorno.
Um som foi ouvido.
Era o despertador que verdadeiramente o retirava do abismo e o conduziria de volta à vida de trabalho o mesmo complicado do dia anterior.
O pesadelo ficava no abismo do inconsciente esquecido e também incomunicável pelo senhor Esquecimento esquecido pela correria cotidiana.
Andreia Cunha
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