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quinta-feira, 22 de março de 2012

NAS TRAMAS NARRATIVAS



Sua profissão era de risco. Quando fora contratada não haviam deixado claros os problemas as quais enfrentaria caso desfiasse além dos limites desejados a lã que compunha o tempo.

Desfiadora e desencaroçadora. Era em suas mãos que o destino passava seja o dos mais ricos, dos mais pobres, dos entes queridos e não tão queridos assim. Sofreria punições horrendas caso por qualquer indício de maldade o fizesse propositadamente.

Estava há muito desempregada e quando lhe ofertaram essa boquinha não poderia de modo algum dispensar. Por descuido não questionou e também não foi avisada dos riscos e da  extrema agilidade que deveria ter.

Os narradores, mestres bem acima de sua humilde profissão, utilizariam os fios para tecerem tramas, enredos, clímax e desfechos que deveriam ser vendidos a peso de ouro para aqueles que queriam se divertir, chorar ou rir, aprender ou simplesmente dormir. Era no alto escalão que a produção tomaria forma e poderia ter seus nós em enfeites, pontos e contrapontos para formar a maravilhosa narrativa.

Ali era permitido o retorcer de fios e mistura de cores bem como os cortes e arremates ao fim. Às vistas de quem abaixo se escondia na composição das tramas e enredos, os mestres narradores eram tidos como deuses, visto que começavam, tramavam artisticamente e davam fim a seres criados por aqueles meros fios aparentemente inúteis.

Dali debaixo também e apesar da extrema atenção com a matéria-prima podia-se ver os mais incríveis seres tomando forma, os lugares mais belos e os mais terríveis, as humanas manipulações e divinas performances e ao fim as respectivas sanções (punições ou recompensas)...

No universo da imaginação havia justiça, amor perfeito, sonhos realizados de maneiras inesperadas o que era um consolo para alguns, igualmente havia os mais cruéis mistérios não desvendados, mortes macabras, ilusões feitas e desfeitas. Tudo era possível desde que a mente pudesse criar sequências para os atos vindos do mais profundo âmago criativo.

Trabalhar ali era cansativo, não podia um minuto sequer sair sem alguém que continuasse o serviço corretamente. Mas também foi ali que ela percebeu um universo muito mais amplo do que aquele na qual vivia anteriormente. Agora, pois, sabia como a máquina funcionava e o mais importante, mesmo não sendo narradora, possuía o destino em suas mãos.

Essas calejadas e doloridas tinham nelas o mais belo: o contraditório que é a vida em todos os seus aspectos. Por isso por mais doloroso que fosse estar ali, ainda assim amava, pois a maturidade e destreza adquiridas a qualificavam também como mestra não acadêmica, mas orgânica. Um tipo de mestrado que só a vida pode oferecer. Só ela e mais ninguém.

Andreia Cunha




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