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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

BARALHO





Uma carta é lançada sobre a mesa. Nela, o destino de um homem. A confiança no irrefutável predeterminado por um jogo. Ele se achava um brinquedo nas mãos dos deuses. Uma dama, ou valete poderiam ser aqueles que mudariam os rumos de toda uma vida como a sua. Acreditava. Cria veementemente e com provas passadas de que tudo poderia ser respondido ali. De nada valeria sua força se eventualmente algo já estivesse escrito na lei inexorável do tempo por meio do baralho.

Ali, lançadas, estavam agora precisamente uma dama de copas, um valete de paus e um rei de espadas. Fora isso, ao centro como quarta carta um 3 cujo naipe era o mesmo que o da dama.Poderia julgar que era um triangulo amoroso, mas a interpretação dada pela cartomante era muito mais profunda que seus pensamentos superficiais. O significado era muito mais interior do que se poderia supor.

Diante de seus olhos e por intermédio da voz suave e hipnótica daquela mulher, as cartas foram ganhando vida. A primeira foi a do centro. O 3 foi se transformando em uma seta viva que girava. Agora parecia uma bússola, pois a forma retangular arredondou-se com a seta ao meio. A dama ressurgiu triunfalmente bela e com modos reais. Parecia determinada e forte para uma dama de época. Os outros dois aos poucos se transformaram em seres tanto quanto a dama. O Rei, imponente demonstrava interesse pela dama e a cortejava apesar de ser casado. O valete era um homem do povo, nobre somente em suas atitudes. Até aí tudo indicava que o cliente estava certo: tratava-se de um triângulo amoroso, uma história clichê. O que especificamente aqueles seres tinham a ver com ele mesmo?

O conflito era seu. Mesmo diante de criaturas imaginárias, o que iria suceder era somente seu, na medida certa de seu corpo como uma roupa exclusiva. Tudo era muito in: interessante, improvável, incomum, intenso, intrigante e inteiro de sua personalidade. Uma vertigem o tomou e o passado foi resgatado...

Era uma caçada. Muitos nobres reunidos preparavam-se para aquela empreitada anual. Armados todos estavam com lanças, espadas, cães e diversos apetrechos que seriam levados pelos serviçais. A presa da época não era um animal. Era humana. Tal como na mitologia na perseguição ao minotauro no labirinto ali muito mais que sete pretendentes iriam caçar uma figura humana que por julgamento predeterminado tinha sido condenada àquele cruel destino.

Dessa vez era um jovem considerado bruxo juntamente com a mulher que sumira por ser mais bruxa do que ele provavelmente. Ela era a mulher que em tudo lhe indicava caminhos como uma mãe que guia o filho por entre as novidades que o mundo oferece. Aquela cena causava-lhe uma dor dilacerante, pois parecia real mais do que deveria ser. A mulher estava nele, mas qual ele? O jovem que aparecera em imagem ou ele mesmo que há pouco produzira aquela visagem? Ou ainda era o velho da roldana do meio dia que como rei às escondidas oferecia-lhe comida para que se mantivesse vivo e enfim, pudesse encontrar outra solução até o dia da fatal caçada. A mulher tinha o poder da transmutação. Ali naquele calabouço oras era uma pantera, uma onça, um tigre e por vezes um jaguar. 

Sempre felina. Ele não se distinguia na escuridão daquele lugar. Não sabia que era tudo e todos, que o grão de areia voa com o vento que lhe soprava a alma repleta de medo e sonhos. Descobrir-se é sempre dolorido e o fogo do momento o consumia como uma labareda que derrete o metal para transformá-lo em outro objeto. Singular era o momento de luto queima e renascimento que lhe provocavam as cartas lançadas sobre a mesa velha de madeira de um quarto em penumbra. Algo obscuro e secreto que não poderia ser feito a luz do dia.

O desmaio era inevitável enquanto a roda do tempo que se mostrara para ele girava em movimentos rápidos e constantes. Viu seu corpo envolto em raios enquanto sua forma se modificava em questão de segundos... Como podia ver e sentir em si tudo o que acontecia? Era mais que um ele... Era um emaranhado de nós tentando se desfazer e quanto mais tentava mais se embaraçava... Mil peças em forma de gotas caiam em sua forma lampejante e contorcida pela revelação primordial de estar sendo refeito num modo mais refinado. A voz da cartomante já era distante, mas ainda a ouvia enquanto tudo derretia. A voz era atemporal não pertencia somente àquele presente de grego em novidade de vida. Agora ele mesmo estava preso a roda do tempo que girava enquanto seus braços e pernas abertos estavam fixos a madeira circular. Se sobrevivesse nuca mais teria a mesma coragem de procurar saber do passado ou do futuro. Seu eu não mais o pertencia... Teve a nítida sensação de que nunca o pertenceu e que o suposto domínio sempre fora um engano muito maior do que a suposta realidade das coisas no mundo dito real... Sua única certeza era a incerteza de nada saber e a de estar sendo consumido como realmente um brinquedo nas mãos dos deuses brincalhões que o faziam de joguete naquele momento que nem podeira ser classificado de tempo... Tempo fora de tempo... In-tempo.

Uma ventania adentrou o quarto e a mesma acontecia na floresta onde acontecia a caçada. Uma reviravolta que chacoalhavam desde seu ser em roda até a imprecisão dos lugares que presenciava. As peças do quebra-cabeça que caiam sobre seu corpo doíam-lhe como facas que lhe espetavam todo o corpo... Estava esvaindo-se? Sentia que seu corpo estava sumindo como que ficando invisível enquanto as gotas pingavam no que antes era seu corpo inteiro... Sumia também seu corpo no meio da floresta, justo no momento em que estava cercado por homens com lanças prontas para atirarem. Sumia também o quarto e seu eu que estonteamentemente girava. Como ainda se mantinha vivo? Que força o ajudava? Como sairia dali?

As três figuras iniciais então apareceram primeiramente em sua mente novamente: o rei a dama e o valete... A roda aos poucos foi diminuindo a rotação e do mesmo modo seu corpo se despregando da roda. Caiu enfim... Mal se mantinha em pé, via mais que três figuras em seu redor - eram milhares girando... Muitos sons confusos misturados as vozes que o cercavam. Sabia agora nada ser, nada ter e ao mesmo tempo tudo e nada ver... Fora mesmo ajudado pelos deuses, os mesmos que o jogaram na roda. Os mesmos possuíam a dualidade presente no homem. Eles também eram como ele. Descobriu-se a semelhança divina tanto dita pelo livro. Mas nada era uma verdade absoluta... Não sabia e continuaria sem saber como e porque havia sobrevivido até o dia de sua passagem... Vivera enfim o milagre de resnascer...

Andreia Cunha










3 comentários:

  1. Olá Andréia, gostaria de saber se as imagens acima são de sua autoria?

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    1. Não são de minha autoria, tanto que se vc perceber abaixo posto uma mensagem no tocante a esse fato, caso alguma seja sua posso retirá-la. No entanto, procuro escolher o que considero de bom gosto para postar no blog que tem sim mensagens - contos e poesias - de minha autoria (quando estas não se referem a homenagens). Fique à vontade para se manifestar. Abraços e boas festas (caso o mundo não acabe amanhã) rs.P.S. ms tenho portifólio de desenhos com algumas modestas criações.

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