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terça-feira, 26 de julho de 2011

O ÚLTIMO DESEJO DE UM POLÍTICO MORIBUNDO





Quando assumiu  um cargo pela primeira vez era ainda muito jovem e acreditava no poder para mudar o mundo com a força da palavra e das ações.

Isso para ele agora era um passado bem remoto, havia se cansado das boas políticas e das boas ações para resgatar os menos favorecidos.

- Quanto mais eu tento salvar esse povo, mais eles se multiplicam como ratos em bueiros.

Por isso, com o tempo aderiu aos colegas que faziam o 'uso' mais proveitoso das 'boas ações', somente citava a pobretaiada em épocas eleitorais para angariar votos. Nisso era mais que mestre.

Continuava sendo um bom cristão porque a igreja desempenhava papel importante para sua auto imagem, mas sabendo de suas atitudes escusas já havia escrito um testamento longo para evitar tumultos, como todo o dinheiro cria.

A condição essencial era a de ser enterrado juntamente com um lap top e um ar condicionado  ambos de última geração. O lap top seria para suas comunicações. Afinal, não era possível que no inferno, lugar para o qual fatalmente iria devido aos apegos materiais, não tivesse um pingo de conforto. E as vaidades, o orgulho, as luxúrias? Tudo ali deveria ser em excesso. Era para essas pessoas que o inferno havia sido criado! Com certeza haveria algum tipo de moeda, pois senão como haveria a possiblidade de barganhas e jeitinhos. Todo mundo  se rende a uma regalia. Calor também não passaria.

Como já estava há um tempo adoecido preparava até mesmo as suas campanhas para ser eleito de alguma forma por lá.

-E se... pensava ele... e se lá não houvesse política? Ah, isso era o de menos. Melhor, ele a recriaria. Já estava batuta nisso, anos de tarimba e macetes.

Não demorou muito e realmente bateu as botas. Como fora pedido, a leitura seria feita antes do enterro. Constava em testamento que cremação não era admitida. Queria chegar ileso e inteiro. Íntegro, melhor dizendo. Uma sineta e chaves para abrir o caixão caso ainda estivesse vivo (nunca se sabe e o melhor negócio é a prevenção).

Deveria estar vestido das suas melhores roupas e de terno de grife, com mais algumas peças de reserva, alguns cartões bancários incluindo os corporativos. Alguns requisitos não eram para serem lidos publicamente, mas já se supunha que fosse o dinheiro na cueca, meias, etc bem como os fundos falsos com as pastas de todas as cores e os dossiês.

Um item anunciado era a carta de recomendação a quem pudesse interessar. Também seus documentos pessoais para que ele pudesse provar que ele era realmente ele.

Era cômico ver toda a parentela reunida para a partilha e a cara de indignação dos presentes.

- Vamos direto ao ponto!- diziam alguns irritados com o lenga-lenga dos procedimentos que mais parecia uma sessão no plenário.
Isso foi feito durante o velório. O morto participante e inerte fazia questão de ser expectador daquele furdunço que se anunciava.
Dois caixões sobrepostos: o do corpo e o dos desejos incluindo o ar condicionado.

Até que o circo pegou fogo de vez e toda a parentada chispava fumaça pelas ventas.

Eis que de repente surge uma bela dama daquelas de parar qualquer comentário e atrair todos os olhares para si. Ela adentra flutuantemente elegante pelo salão aplacando os ânimos e restabelecendo o silêncio que a solenidade merecia.

Todos a olharam absortos e perplexos. Achegou-se ao caixão e fez o espírito do morto se erguer como num passe de mágica.

Em seguida, como num show de ilusionismo fez o recinto inteiro girar com a presença de um vento forte.

Quando tudo ia aos poucos parando e voltando ao normal, os cambaleantes e nauseantes notaram que o corpo havia sumido, tanto quanto seus pertences e o testamento também.

- E agora? como vai ser? O que é que está contecendo?
Os burburinhos se acentuavam e muitos já estavam desmaiados pelo chão.

Dessa vez, uma voz rouca, feminina e sensual soou para nova surpresa.

Sou a Ganância e vim para acabar com a festinha de vocês. Tudo o que era dele agora me pertence. Deixo para vocês uma imensa banana para quem sabe fazerem uma torta.

E dizendo umas palavras indecifráveis, transformou toda aquela gente em macacos malcriados para que roessem da fruta até o caroço.

E assim foi feito.

Andreia Cunha











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