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sexta-feira, 1 de julho de 2011

A CARTA, O CARTEIRO E SUA CURIOSIDADE

* O CONTO A SEGUIR FAZ REFERÊNCIA AO CARTEIRO DO INTERIOR DE SP QUE ABRIA AS CARTAS  E DEPOIS AS QUEIMAVA SEM ENTREGÁ-LAS AOS DEVIDOS DESTINATÁRIOS*

Era carteiro, realmente aquela não era a profissão que almejava quando pequeno, no entanto, era aquela que lhe garantia o sustento, o alimentava e a que sabia fazer. Há mais de 15 anos estava na mesma cidade e entregava correspondências sempre aos mesmos moradores. Era benquisto e até ganhava presentes dos mais chegados.
Até que um dia, uma carta chamou-lhe a atenção. Era um envelope gordinho e no lugar do destinatário estava escrito: ABRA-ME SEJA VOCÊ QUE M FOR. Tinha endereço com número e CEP corretos, mas aquele destinatário era tentador.
A mão coçava e a mente passou a divagar nas tantas possibilidades do que poderia estar contido ali dentro.
Não a entregou logo de cara. Resolveu levar o envelope para casa.
Ficou entre o abre não abre com aquela frase piscando como se estivesse em neon: ABRA-ME SEJA...
O suor escorria de seu rosto, pois passou a noite sentado na sala com a carta posta sobre a mesa arrumada com um vaso de flores.
Sabia que aquilo era contrário a ética que exigia sua profissão. Porém naquele momento noturno tudo lhe parecia muito íntimo, muito tudo seu.
O calor o incomodava tanto quanto a inquietação do volume do envelope em sua cabeça.
Queria, que se fosse mesmo para transgredir, que ali dentro houvesse uma boa grana, poderia ser cheques ou papéis valiosos - algo que lhe rendesse lucros já estava de bom tamanho.
A mão, tão culpada quanto a curiosidade que dele se assomava, fez com que pegasse o objeto de desejo e a rasgasse nas beiradas sem algum tipo de cuidado.
Estava mesmo fora de si.
À primeira vista, eram manuscritos de uma história que poderia ser publicada, entre outras folhas.
Não era bem o que esperava para o momento. Entre pensações concluiu que aquele ato não era tão mal quanto pensava. Afinal, a carta poderia muito bem ter sido extraviada...
O início da narrativa retomava o destinatários. ABRA-ME SEJA VOCÊ QUEM FOR...
"Já que me abriste, terás que me ler até o final, serás recompensado ou punido conforme tuas atitudes daqui por diante..."
Seguia juntamente um contrato que era a garantia de que o prêmio seria entregue ao SEJA VOCÊ QUEM FOR por seu ato de bravura.
Não havia referência a que tipo de prêmio. Só a palavra já lhe bastava para saber que era algo bom, valioso, rentável.
Uma das clausulas complementava que dali por diante, receberia semanalmente mensagens da mesma maneira e que alguém saberia, caso estivesse tentando ludibriar as normas contratuais.
Pensou: Que mal haveria, teria prazer em ler, agora o endereço já não mais importava, pois o destinatário era ele, o carteiro.
Conforme  contrato passou a receber as cartas e no meio das entregas sempre dava um jeitinho de separá-las.
Conforme as semanas se passavam, uma outra inquietação tomou-lhe a mente, os escritos eram muito familiares, pareciam falar dele mesmo.
Como? seu mundo estava sendo descrito por mãos alheias a qual ele mal conhecia! Era a vida dele sem vírgulas, pontos finais ou exclamação. Monótona como seu eu.
Na semana seguinte, surpreendeu-se, pois, mediante sua descoberta, o que recebeu estava repleto de pontuações expressivas.

É aqui que todo o mistério prossegue em passos galopantes como um cavalo desembestado no meio da multidão. O remetente o conhecia e pelo jeito troçava de sua cara. Sabia de suas tentações. Agora, temia a tudo e a todos. Entregava as cartas, evitava conversas e media as pessoas com ares de desconfiança. O prêmio poderia ser seu castigo em denúncia pública.
Naquela altura mantivera-se fiel, pois poderia ainda assim ser recompensado por não ceder as pressões.
As cartas passaram a vir com ameaças. Seu medo era visível, indisfarçável. Estava ficando doente, emagrecia a olhos vistos.
Era todo olho para descobrir quem estava maldosamente o pondo a prova. Muitas desconfianças, poucas evidências, alguns suspeitos, mas nada concreto.
Na última semana, a carta viera antecipada, tremia e temia, mas uma vez no jogo, no jogo até o fim...
Quando a abriu na calada da noite barulhos diferentes surgiram, a medida em que lia, uma poeira pelos vãos se adensava e o ser tomou forma para lhe dar o respectivo prêmio.
A derradeira coisa que ouviu foi um grunhido a qual tentou se safar. Não teve sequer tempo de pensar. A morte lhe tomava pelos braços e este era o prêmio por sua maldita curiosidade.
A Curiosidade matou o carteiro.


Andreia Cunha

 
 

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