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sábado, 30 de julho de 2011

LACUNAS DE UMA VIDA



Das cartas que recebia uma lhe chamou a atenção. Não pelo remetente, pois já era de costume aquela pessoa o escrever. Chamou lhe a atenção especificamente o conteúdo. Era de um amigo que não o via há anos, mas que por costume trocavam correspondências desde então.

Comentavam sobre os velhos tempos de faculdade, as amizades de bar e as garotas . Ah as garotas! Reviviam momentos deixados para trás por conta do tempo que veloz segue seu curso sem dó ou piedade.

O que causara espanto foi que de repente as cartas vinham com umas brechas que aos poucos foram gradativamente aumentando a ponto de comprometer o conteúdo. Sempre que perguntava sobre o motivo das brechas, a carta vinha com a respectiva resposta repleta de lacunas.

Começou a pensar que talvez o amigo estivesse brincando com sua cara numa gozação daquelas de juventude bem características dos velhos tempos que viveram. Por vezes queria ligar ao amigo, mas com os compromissos da vida com família e netos já não tinha tanto tempo a sobrar. Em outras oportunidades também se esquecia de procurar o telefone e acabava ficando mesmo para depois.

Sabe-se lá quando era o seu depois. Agora nessa ultima carta vinha apenas a saudação legível e os outros tantos escritos eram palavras não muito significativas como artigos, preposições e alguns pronomes. Não dava sequer para saber de qual assunto realmente escrevia. Como responderia a bendita? 

Resolveu partilhar com a mulher para ver se o problema não estava com ele. Poderia eventualmente estar enxergando mal. Não era possível que o amigo estivesse tão ruim ou levasse tão a fundo uma brincadeira! Resolveu ligar, porém o número já não era mais o mesmo e na insistência falava sempre com a voz da caixa postal. Era terrivelmente irritante para ele ter que falar com uma máquina. São frias e insensíveis. O fato é que nunca obteve resposta.

A situação estava tão preocupante do seu ponto de vista que cogitava até mesmo fazer uma visita ao amigo, mesmo sem ter como avisá-lo por conta das ligações não atendidas. E foi o que fez. Estavam morando distantes, numa cidade a qual não conheciam a não ser por comentários em cartas, quando estas ainda vinham inteiras.

Embarcou no ônibus da noite para chegar à outra cidade ao amanhecer. Isso lhe daria tempo para procurar a rua e não ter tantos gastos com hospedagem para uma noite apenas. Mas os pensamentos são sempre surpreendidos com a realidade dos fatos. Já na rodoviária pediu a um taxista que lhe informasse onde ficava a rua que constava no remetente. O taxista a desconhecia.

-Olha meu senhor não nasci aqui, mas moro nessa cidade há mais de 20 anos e sinceramente não conheço essa rua não.

A resposta foi uma surpresa, pois considerava que os taxistas pela profissão que exerciam deveriam saber os nomes de pelo menos quase todas as ruas que a cidade tem. Tentou um mapa, mas era muito complicado para sua visão envelhecida e os óculos não facilitavam. Posto de informação, e outras tantas pessoas pelo caminho. Nada, ninguém sabia do tal endereço.

Chegou a pensar que estava maluco. Será que estava na cidade certa? Ficou tão desnorteado que conferiu os tantos envelopes que trazia, constava o nome certo da cidade e inclusive o Estado.

- Santo Deus, isso parece uma brincadeira e de mau gosto.
Não compreendia que todo o seu trajeto lhe direcionava a um só fim. Sentia-se uma pulga em meio aos pêlos de um animal maior. Um verdadeiro emaranhado na qual nada compreendia do que vivenciava ou poderia acontecer. As lacunas já não eram no papel... Transpunham-se para a vida de agora e no sufoco do não entender, não saber.

Vagou dias na cidade e na rua porque já estava com a sanidade comprometida pelo tanto tentar entender o que para ele já não tinha mais explicações.

Fora encontrado sujo e mal trapilho dormindo num banco de praça. Seus familiares já estavam a sua procura. Não sabia nem seu nome, nem seu endereço. “Perdido como uma pulga em um animal de grande porte”. Em seus pertences diversas cartas na qual constavam seu nome, seu endereço e um recado da família com seu diagnóstico. Portanto, das cartas que recebia uma lhe___________ a____________ . Não pelo ______________, pois... _______________

Era a dele mesmo - sobre sua atual vida...

Andreia Cunha








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