Abriu com dificuldade os olhos. Tentava conectar a ideia do
acordar com o que de fato acontecia.
Parecia anestesiado, em redor um quarto aconchegante se
desfazia à medida que punha os pés no chão. O cenário se desmontava, era uma
cama no meio do nada e móveis que não encostavam nem tocavam as paredes. Seguiu
e atravessou uma porta que imensa o transformava em pequeno perante sua total
compreensão do que acontecia. Acordara ou morrera?
Não sabia estar, pois não sabia o tempo e nem local em que
permanecia ali parado. Ousou mais passos. Encontrou na grande sala em meio a
tantas outras um olhar irmão. Um abraço sem palavras, enquanto de fora se ouvia
o som da chuva em contraste com a claridade ensolarada do dia.
Eu morri? Foram as primeiras palavras. Não, ainda. Ainda,não.
Quero que ouça... Estou ensinando ela a tocar sua música predileta para que
quando eu não mais estiver, você possa ouvi-la mesmo em minha ausência.
Um choro inevitável foi sufocado. O abraço os tomou enquanto
a dor os unia no breve momento que em pouco se acabaria. Uma luz de fim de
tarde os iluminava e a chuva diminuía o ritmo.
O retorno ao quarto foi difícil. Em meio a tantos orifícios
algo que o conectava se perdia no labirinto à volta que não era ainda a saída.
Em meio ao desalento uma voz fria o surpreendeu. Nada podia, por isso a frieza
das últimas horas no inútil conselho de um vá descansar que é melhor.
Mas eu acabei de levantar! Mediante a ordem uma revolta pela
sensação de incompetência do outro em achar-lhe uma solução. Tudo vagueou no
eco. No eco de sua memória que agora mais do que nunca se lembrava de que não
teria mais tempo de fazer o que tanto queria fazer. Sua noção de importante
mudara. Encontrou sozinho o caminho.
Mas o que de fato queria fazer? Voltou-se às memórias. Os
brinquedos ali no quarto agora remontado, sua infância toda envolta na névoa
eram mais que companhias. Eram o apego ao fio que ainda era por fim tecido... As
histórias lidas, o colo aconchegante da avó e a insegurança por relembrar-se do
avô. Será que o encontro lá?
Não havia uma resposta concreta, calou a mente como quem
cala uma criança falando o que não deve. Qual era mesmo sua música preferida?
Em meio aos últimos tormentos esquecera-se desde o mínimo ato de gostar. A dor
o fazia diferente. Via, sentia, imaginava e sabia-se ilusoriamente diferente.
O fato de saber que a hora se aproxima nos faz e também
desfaz nas muitas expectativas. Sentia-se aos poucos sombra tanto quanto a
lembrança da primeira namorada e as juras trocadas para um futuro longo. Tinha
apenas 21, queria filhos, tinha sonhos, queria até mesmo envelhecer. Por quê?
Pra quê?
Lembrou-se da visita dos parentes e da manta deixada. Sentia
frio por isso o colocou. ‘Mas não está frio!’
- Você veio!
Ele em meio a dor e ainda assim sorrindo.
-E por que não haveria... Trouxe o seu doce predileto...
Um silêncio quebrado apenas pela mastigação.
Era enfim, este o abraço que esperava era a esperança que o
guiaria com a tranquilidade que precisava.
O amor.
Partiu feliz como quem casa apesar de toda a angústia que o
momento pedia. Suspirou nos braços da amada.
andreiACunha
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