Ninguém gosta ou admira o outro na qual vê retratado seus erros e fracassos. E ela, foca, sabia disso apesar de por instintos.
Seus pais, livres em sua essência animal,não se alegrariam em vê-la ali: submissa atração aquática sozinha em um aquário. Ela, provavelmente nem mais se sabia ser: batia palminhas, equilibrava bolas e andava desengonçada para receber o agrado do treinador e o aplauso da platéia sempre nova e ansiante por suas atitudes condicionadas.
O negócio é que com a convivência humana, adquirira sabe se lá como o ato contemplativo, oras reflexivo mas não ainda contestador de pensar. Por certo, ainda estava num limbo pré-histórico formador de ideias e do ato linguístico em si. Apesar de não concordar ainda lhe era cômodo se deixar manipular.
No entanto, algo novo lhe surgia: um asco que lhe rançava o gosto pelo alimento oferecido após suas supostas peripécias graciosas aos homens, não próprias de sua vontade. Aprendia com isso, aos poucos, o que era inato e o que era ensinado por controle.
Não, não mais podia admitir. Anda nas últimas apresentações amuada e sem fome: não batia palminhas, nem corria desengonçada com a bola com seu 'hã,hã' sonoro e feliz. Se fosse passarinho estaria como se fosse numa gaiola; se fera, em jaula, se bandido comum, em cela.
O treinador preocupado e irado já não sabia mais como lidar com os chiliques do bicho depressivo e arredio. Morreria com certeza não fosse o inesperado surreal. Em meio a uma apresentação frustrante, a foca focada em seus objetivos ergueu-se e num brado retumbante salientou seu íntimo desejo:
- Cheeeeeega!
Os espectadores, de olhos arregalados e sem reação aparente, sentiram-se após segundos enganados por colocarem um homem disfarçado em vez de um animal legítimo. Desconheciam a inteligência da criatura.
Revoltosa entre os igualmente revoltados dirigiu-se à bilheteria, reivindicou seus direitos e voltou ao mar - mundo da qual não deveria ter saído ou se permitido sair. Por certo, iniciaria uma nova revolução dos bichos, porém desta vez em 'terreno marinho' o local segundo a ciência do princípio de toda a criação.
Enquanto isso no aquário os assistentes do palco com suas plaquinhas levantadas requisitavam:
-Aplausos, por favor.
andreiACunha
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