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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

GERMINAR



Não busques na lonjura do vento
Podes não ter o devido tempo

Não desvies do teu horizonte
Não misture as águas e as fontes

Monte e remonte-se
no jogo da língua
No sussurro da vida
A cada dia a te deixar

Deixe as roldanas do céu
Desmanchar as normas em véus
De sentimentos em sentidos
Nas sílabas em tecido a coalhar

Da nata se faz o creme
És da vida, semente
A germinar

andreiACunha






quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

INFINITO SILÊNCIO




Olhemos para o alto
Somos filhos das estrelas

É no céu
Na ínfima luz que a nós chega
e que há muito se apagou
que está nossa essência.

Somos de fora
Somos de dentro

Do dentro-entre multiversos
Infinitos
Ainda indecifráveis

Somos semente
Poeira alheia
De uma estrela mulher

Calo, tropeço num silêncio qualquer.

andreiACunha



CALO




Meus calos não me calam
Tropeço e prossigo
Enquanto calo
Sigo pensando
e escrevendo
Nos atos de fato.

andreiACunha




terça-feira, 29 de janeiro de 2013

ENXUGAR



Enxugava aquela louça com razoável boa vontade, embora estivesse mais entretida com as últimas leituras científicas e estas não lhe eram fáceis.

De repente um estalo. Enxugar é esse o problema a ser resolvido. O que seria o teletransporte? Era a pergunta do momento embrenhada nas leituras que fazia sobre física quântica.

Estamos conectados ao tempo e ao espaço. Em nós essas dimensões agem causando a locomoção e o envelhecimento. Isso obviamente num modo linear de se enxergar a vida. E se a linearidade fosse apenas uma ilusão, uma falsa sensação que faz com que realmente as coisas aconteçam assim?

Temia estar perante uma nova luz e ao mesmo tempo uma incógnita surreal. Tempo e espaço agem sobre nós e nós sobre eles. Estou aqui e agora enxugando a louça, mas a mente é volátil. E existe provavelmente um corpo mental que nos molda enquanto seres viventes nesse planeta.

A lógica seria aprofundar na mente, conhecê-la mais a fundo enfronhar-se em seus abismos e altitudes para conseguir o feito da teletransportação. E os abismos e altitudes nada mais seriam que as dimensões tempo-espaço. Deveria haver um modo de enxugá-los nem que momentaneamente de nossas vísceras para que assim pudéssemos nos libertar dessa casca densa e pesada que nos conforma ao chão, à gravidade e as outras leis que nos enganam com suas sensações  aliadas aos nossos sentidos sempre fáceis de serem enganados.

Uma breve alegria a tomava por supor que enxergava fora dos padrões normais. Ela agora é q estava iludindo sua visão e talvez a estivesse colocando em seu respectivo lugar enquanto as cortinas se abriam para uma outra verdade nua e crua.

Claro que para atingir tal nível de uso mental o homem deveria abdicar de suas mesquinharias mundanas e ilusões perniciosas que mais acomodam e anestesiam para os reais sentidos da vida e além dela em carne e osso.

Não seria fácil defender uma tese dessas e nem ao menos pensava em como começar a partir para experimentos que comprovassem sua ideia. Mas só por tê-la ali no ato de enxugar já lhe trazia alívio.

Tudo era linguagem em verbos que construíam seres, imagens ideias para depois serem objetos reais comprováveis ou não pela lógica dos experimentos adotando-os ou repudiando-os como verdades verdadeiras ou falácias.

Sua mente louca dava um giro insano pelos conhecimentos que até então imaginava carregar.
Enxugava-se tanto quanto a louça, esquecia-se do tempo e do lugar em que estava e se teletransportava em mente à ciência que criava e a revolução a que colocaria como pólvora no mundo caso de fato isso tudo pudesse ser comprovado.

Pairava na curiosidade quando parou para escrever toda sua novidade. A louça? Com o tempo, enxugou-se.

andreiACunha



sábado, 26 de janeiro de 2013

NOVA MENTE



  
Não tenho receios. Não, tenho receios.

Não tenho, receios me assustam. No entanto, estou inundada deles. Semeada de suas fontes originais. Escaldei-me em seu líquido e deles o medo se fez. Mais que receios, filhos, o pai, medo, se alia a paúra e nos deixa sem chão perante o caminhar lento que se tem a seguir.

Nada novo, nada velho e, ao mesmo tempo, tudo novo e velho adensado na indefinição da visão que prefigura o vazio. Os filhos vêm primeiro e remontam o pai e a mãe. Não faz sentido essa busca insana, delirante do ser que não se sabe mais.

Cada ato criador e criativo é também  dolorido como fardo carregado em ombros famintos. Nasce-se velho e morre-se novo sem um colo que o acolha e ventre que o aconchegue. O que é natural acaba sendo revertido nas areias desse tempo que retrocede em vez de se alongar no infinito que se demonstra pela frente.

Frente e costas são as mesmas coisas. Tanto faz o passado quanto o futuro quando o vazio é escuro. Não se faz distinção e essa indefinição ao mesmo tempo em que se faz boa no sentido do não julgar traz consigo igualmente a sensação de regredir.

Regressão, retrocesso... Quantas vezes se faz importante regredir: resgatar o passado para se entender o presente no futuro que pode ser de vitórias e conquistas? Retroceder é que parece negativo, viver no e do passado. Será que me engano nas palavras e patino na maionese de domingo servida à mesa com a típica macarronada e a carne assada recheada?

Faço considerações inúteis e vagas como o que sou perante meu espelho interior? A comida um gosto de manutenção das tradições, gosto de passado. Sou-me toda isso? Paladar passado sonhando o futuro que não vem por negligência em lidar com meus resquícios de memória?

‘Não me sei ainda me lidar’. Mal sei falar! O ego vem como figos de sobremesa após o almoçar típico. Degusto-os arrancando-lhes a pele, deixando-os vivos com as sementes expostas e essa é a polpa mais saborosa da fruta.

Como-os com tanta vontade que sinto a dor do figo, da figueira produzindo aquele fruto com sua vida em movimento embora presa às raízes que a fizeram progredir. Como se faz para ser árvore ambulante? Como se faz para dar fruto sem estar parado ao eterno lugar que te plantaram?

Não sou, por isso, árvore? Ou apenas planta insana no desejo de sair para esta viagem intra e extracorpórea que vem a ser o não mais ser no seu devir em devaneio? Será que sou fruto e talvez por isso sinta a dor do figo descascado por mim sendo deglutido.

Minha essência é carregar o doce e a semente e não enraizar-me, mas sobretudo percorrer os caminhos obscuros da alimentação de quem consome o produto da mãe árvore produto de sua dor para o mundo?

Não tenho receios. Não, tenho receios.  E muitos,por isso me assustam me fragmentam na tentativa de impossível novamente me reunir. Já não se mais é a velha mente.

andreiACunha





quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A BOA VENTURA




Bem aventurados vós... Ela não conseguia passar daquele início de frase. Num ponto de ônibus juntamente com a mão materna segurando a sua esperava o tal que a levaria para casa. Seria pelo caminho do mar, no entanto por ser criança e por descuido em confusão entrou no que fazia o trajeto oposto.

Agora já era. Subira no ônibus que passaria por um elevado enquanto pensava consigo.

- Pena, daqui não posso nem ao menos vislumbrar o mar.

Ledo engano quando percebeu que nas alturas que a levariam ao centro da cidade começou a ver a ilha e a arrebentação das ondas mesmo que de muito longe; seus olhos não acreditavam. Antes não dava para ver e naquele momento via-se nitidamente. Demoraria mais para chegar por conta do erro. Mas a bela vista a confortava do suposto engano que a faria viajar horas a mais.

Não entendia porque a pressa, era apenas uma criança quando entrou no transporte pelas mãos maternas. Aliás, onde estaria ela agora? Entretida com a possibilidade de ver o mar esqueceu-se dos vínculos familiares.

Há tempos não pegava aquele caminho, por certo muita coisa nova a surpreenderia. Dito e feito. Entre os momentos em que o mar ficava encoberto, viam-se montanhas, pedras, rios e muita natureza. Encontrou um lugar confortável para se sentar, pois até então era de pé que estava, sentou-se bem à frente próximo ao motorista nos bancos mais elevados.

Após o deslumbramento era o livro que tentava pegar para quem sabe destravar a leitura inicial. Uma série de preocupações lhe sondavam a memória talvez por isso a falta de concentração no ato de ler além do ‘bem aventurados vós... ’

Sentou-se no chão como criança que achava ainda ser e apoiou-se no banco para desenhar. Melhor que ficar lutando com algo que não atava nem desatava. Ficou ali por pouco tempo. Em meio a curvas e declives o ônibus agora tomaria o caminho da praia. Ela não queria perder as novidades do caminho há tanto esquecido.

E como era belo! Não eram ruas, eram vielas em que somente de um lado tinham moradias, do outro um pequeno muro deixava ver o encontro da montanha com o mar cada vez mais próximo. Eram curvas belas e desajeitadas. Do ainda alto se viam as pedras sendo encharcadas pelas ondas altas da maré cheia.

Um espetáculo! Reparou que esculpido deitado numa imensa pedra havia um deus mutilado talvez pelo mar em fúria de tempos em tempos. Sim, era um deus mitológico. Faltavam-lhe pernas e parte dos braços parecendo pedra decomposta em areia sendo consumida pela força da água.

Aquela imagem não lhe saía da mente apesar de já estarem à beira mar. Era possível ver pessoas indo em direção à praia para um típico banho de sol. Felicidade era a palavra e o sentimento que a tomava por estar chegando ao lar.

-Nem demorou tanto apesar do erro.

Nisso se sentiu gratificada, mesmo com o que considerava errado a princípio, havia aprendido algo novo. Vislumbrara o belo na sublime figura do mar.

Descia adulta em meio a uma festa. Pessoas escalavam um morro em busca de um símbolo fluorescente deixado justamente para desafio dos aventureiros. Os que conseguissem a façanha teriam um prêmio em dinheiro. Mas para tanto teriam além de resgatar o amuleto deixá-lo em evidência para que todos pudessem contemplar o valor daquele símbolo.

Vi-o. Era verde vivo iluminado. Fora colocado no poste por uma mulher que o recebeu das mãos de um amigo. Contente pela conquista. Senti-me feliz embora não fosse participante de fato, só por estar ali aplaudindo a arte em ato de coragem já me fazia valer a pena todo o erro, todo o acerto, toda a vida em movimento.

Após tudo isso, o livro que carregava caiu aberto. Consegui ler a tal frase sem mistérios.
‘Bem aventurados vós que mesmo de olhos fechados conseguem vislumbrar bem como dissipar seus medos e seus mitos.’

andreiACunha




domingo, 20 de janeiro de 2013

SUSPIRO




Abriu com dificuldade os olhos. Tentava conectar a ideia do acordar com o que de fato acontecia.

Parecia anestesiado, em redor um quarto aconchegante se desfazia à medida que punha os pés no chão. O cenário se desmontava, era uma cama no meio do nada e móveis que não encostavam nem tocavam as paredes. Seguiu e atravessou uma porta que imensa o transformava em pequeno perante sua total compreensão do que acontecia. Acordara ou morrera?

Não sabia estar, pois não sabia o tempo e nem local em que permanecia ali parado. Ousou mais passos. Encontrou na grande sala em meio a tantas outras um olhar irmão. Um abraço sem palavras, enquanto de fora se ouvia o som da chuva em contraste com a claridade ensolarada do dia.

Eu morri? Foram as primeiras palavras. Não, ainda. Ainda,não. Quero que ouça... Estou ensinando ela a tocar sua música predileta para que quando eu não mais estiver, você possa ouvi-la mesmo em minha ausência.

Um choro inevitável foi sufocado. O abraço os tomou enquanto a dor os unia no breve momento que em pouco se acabaria. Uma luz de fim de tarde os iluminava e a chuva diminuía o ritmo.

O retorno ao quarto foi difícil. Em meio a tantos orifícios algo que o conectava se perdia no labirinto à volta que não era ainda a saída. Em meio ao desalento uma voz fria o surpreendeu. Nada podia, por isso a frieza das últimas horas no inútil conselho de um vá descansar que é melhor.

Mas eu acabei de levantar! Mediante a ordem uma revolta pela sensação de incompetência do outro em achar-lhe uma solução. Tudo vagueou no eco. No eco de sua memória que agora mais do que nunca se lembrava de que não teria mais tempo de fazer o que tanto queria fazer. Sua noção de importante mudara. Encontrou sozinho o caminho.

Mas o que de fato queria fazer? Voltou-se às memórias. Os brinquedos ali no quarto agora remontado, sua infância toda envolta na névoa eram mais que companhias. Eram o apego ao fio que ainda era por fim tecido... As histórias lidas, o colo aconchegante da avó e a insegurança por relembrar-se do avô. Será que o encontro lá?

Não havia uma resposta concreta, calou a mente como quem cala uma criança falando o que não deve. Qual era mesmo sua música preferida? Em meio aos últimos tormentos esquecera-se desde o mínimo ato de gostar. A dor o fazia diferente. Via, sentia, imaginava e sabia-se ilusoriamente diferente.

O fato de saber que a hora se aproxima nos faz e também desfaz nas muitas expectativas. Sentia-se aos poucos sombra tanto quanto a lembrança da primeira namorada e as juras trocadas para um futuro longo. Tinha apenas 21, queria filhos, tinha sonhos, queria até mesmo envelhecer. Por quê? Pra quê?

Lembrou-se da visita dos parentes e da manta deixada. Sentia frio por isso o colocou. ‘Mas não está frio!’

- Você veio!

Ele em meio a dor e ainda assim sorrindo.

-E por que não haveria... Trouxe o seu doce predileto...

Um silêncio quebrado apenas pela mastigação.

Era enfim, este o abraço que esperava era a esperança que o guiaria com a tranquilidade que precisava.

O amor.

Partiu feliz como quem casa apesar de toda a angústia que o momento pedia. Suspirou nos braços da amada.

andreiACunha







INFUSÃO NARRATIVA




Até que ponto eu penetro dentro de uma personagem e ela dentro de mim, não é fácil dizer.
Cacilda Becker 
Sempre que pretendia começar uma nova história, lembrava-se de Tzinacan, mago religioso encarcerado por Pedro de Alvarado, que mediante lutas e batalhas buscava a escrita do Deus. Nada nesse sentido de começar lhe era fácil, perecia mesmo ter de enfrentar o medo do tempo, do espaço ínfimo do fosso de pedra e do jaguar com o qual dividia o espaço separado apenas por uma janela ao nível do chão.

O nascer por escrito, por demais dolorido, representava o medo do que na escrita se prefiguraria como contação. Afinal, ele, narrador, era criatura criada apenas para isso: se expor nas mãos de um Pedro de Alvarado, que como alguém real lhe daria a luz. Seu fosso era na mente de outrem – se seria participante de fatos ou ficção, se saberia ou não de todos os pensamentos dos participantes da narrativa, se vilão ou protagonista...

Seu destino não era o seu por escolha própria, querendo ou não estava nas mãos de um deus provisoriamente dono das palavras que o animaria para a composição da partitura, do compasso, da melodia...

Suas atitudes – comoventes, indecentes, condizentes ou não com a moral eram apenas questão de estalos mentais dessa imensa fogueira que habita a alma humana denominada criação. Nessas horas é que sentia o estalo da matéria de que era feito, a madeira sendo consumida pelo fogo mental que não cessa em produção. O jaguar com o qual divide o espaço é metal e facilmente após derretido passaria pelas frestas da janela encostada ao chão refazendo-se talvez para o destruir.

Enquanto houvesse história, oxigênio como combustível, o fogo arderia e ao meio dia o idoso determinado para a função ergueria e baixaria por meio da roldana o alimento que evitaria a morte antes do tempo determinado por seu algoz.

O problema maior de Pedro de Alvarado é lidar com sua potência dita como divina, enquanto semideus, ele desconhecia em profundidade o que realmente anima seu pensamento criativo. Escrevia sim, dava vida a inúmeros narradores, mas a fonte chamada de musa inspiradora era vista como Santa tal qual as imagens nas igrejas.

Nesses momentos é que misteriosamente havia a fusão de todos os seres tanto Criador quanto criaturas.Muito ainda havia para que enfim o autor pudesse  descobrir a origem das origens que o trazia à tona para animar tantos e mais tantos outros narradores.

Eram nessas que mesmo a contragosto do algoz sabia que inúmeros outros narradores continuariam a nascer assim como ele agora demonstrando toda a falibilidade, fragilidade bem como genialidade desse ser real e surreal que se intitula autor.

andreiACunha