Era todo carta ali lançado à mesa em jogo de ilusão de mágico principiante. Não sabia bem o truque numérico que o revelava sempre que contado, mas ao ser revelado era sempre olhado como milagre em tom sobrenatural.
O manipulador sabia muito bem como fazer aquele truque, fora, aliás, um de seus primeiros. A experiência lhe traria o reconhecimento e ele sabia que, enquanto carta, era muito importante para seu mágico.
Ele mesmo - rei embaralhado - reconhecia seu valor na peça teatral apresentada como número para ser aplaudido. Gostava de tudo aquilo, apesar da leve noção dos truques. A vida como existência só valia a pena porque, ao final, receberia o aplauso que o elevaria a condição dos deuses do Olimpo.
Imortalizada talvez nos olhos das crianças ali presentes, dos adultos desejosos por entender o segredo... Viver em si já era negócio perigoso e arriscado em suas manhas e artimanhas, que diria, então, quando sua importância era elevada as máximas potências de um show.
Sentia-se usado, mas ao mesmo tempo adorado. Um gosto pelo que é humano já havia lhe corrompido os sentidos: o poder em saber ser quando manipulado ao extremo mediante olhos curiosos, porém dispersos.
Amava o espetáculo porque era ali que existia plenamente, porque ali era notado, presenciado e reverenciado como rei tal qual sai insígnia o designava. Caso contrário estaria guardado numa gaveta a mercê de brincadeiras e apostas.
Sua existência, portanto mesmo que dolorida e dolorosa era mais do que a de tantos outros azarados que não conheciam a sua força perante um público atento e voraz por prazer e alegria.
Caso um dia morresse, morreria feliz e cumpridor de uma missão: ter existido para o sucesso, os claps momentâneos invocadores dos deuses que tanto o manipularam como também o glorificaram.
A verdade sempre traz certa graça e igualmente lucidez. O mais importante é saber lidar com toda ela em suas ironias.
Andreia Cunha
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