Não preciso quebrar janelas.
Sei como abri-las.
Maurice Ravel
Foi em um concerto que teve o primeiro surto lampejo. Era executado o bolero de Ravel por excelente orquestra a qual me recuso nomear no intuito de diluir o fato a mera ficção, embora não o seja.
No momento em que as batidas se erguiam pela primeira vez, a mulher se sentiu pisoteada por aquela marcha repetitória que mais pareciam a de centuriões romanos passando por cima de seu corpo como tapete vermelho de sangue: o seu próprio vertido pelos pisares.
A repetição constante de mais de 10 minutos foram demais para seus ouvidos sensibilizados pelas crueldades vertidas e vestidas de diferentes formas através do tempo.
Aos berros, ela suplicava que a marcha parasse. Até que alguns seguranças apareceram misturados ao público-plateia que tentava em vão acalmá-la.
Antes de ser retirada teve tempo para últimas palavras:
- Isso é demais para mim, demais pra mim... Esse bolero é um grito desgovernado que imita meus medos no seu jeito mais ordenado de ser... Aaaai...
Dos altos céus, Ravel feliz disse:
- Até que enfim alguém entendeu meu recado. Alguém entendeu...
Andreia Cunha
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