Era porteiro de um prédio há mais de 50 anos, quando
anunciaram que em breve estaria aposentado e teria de deixar o pequeno espaço
que ocupava no térreo daquele imenso edifício.
Ficou estarrecido, estático, vago e mudo perante o anúncio
de sopetão logo pela manhã. O que faria? O que lhe restaria a não ser a rua
após tantos anos de intensa dedicação? Impecavelmente entregava as
correspondências, anunciava os recados, cumpria com suas obrigações e além do
mais ali estava sua vida social: conhecia os então vizinhos, tinha feito amizades...
Afinal, 50 anos é uma vida!
E agora, mediante uma pessoa responsável pela questão
administrativa do condomínio, recebia a notícia da moça que sorria como se
aquilo para ele fosse um prêmio: APOSENTADORIA!!!
Para ele, aposentadoria. Não se sentia nem trabalhando.
Sentia-se um morador especial, diferente, um pai do prédio.
Naquele mesmo dia, entristecido, voltou para casa e não
disse nada a mulher. O emudecimento era sua arma perante as dores e os problemas
quando estes o afetavam com mais intensidade.
No dia seguinte, logo pela manhã, começou a retirar alguns
pertences. A esposa, conhecedora de seu humor, não questionou, apenas via e
esperava o tempo dele se abrir.
Pegou o elevador de serviço e abalou-se para além da
cobertura. Era lá que desentulhava seus pertences. Fez bem umas 15 viagens
dessas, quando um amigo morador começou a perceber:
- Seu Rinovildo, o que o Senhor está fazendo?
- Ah, meu amigo Esmeraldo, apenas uma pequena mudancinha.
E foi lá mesmo que se estabeleceu com a esposa intitulando-o
como novo lar.
Meio que tomado por uma insanidade a qual poucos tinham
coragem de questionar, ele lá se fixou, fez seu puxadinho e o chamou de
DESCOBERTURA.
Pois foi na descobertura que lhe assistiu morar até o fim de
sua vida.
andreiACunha