Os degraus.
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
Mário Quintana
A idéia veio clara. Era linda. Quando tentou colocá-la no papel. Todo o mistério sumiu.
Não sabia onde estava, mas supunha ser em algum lugar nos limites do sonho. Se viu perambulando terras desconhecidas na tentativa de entender o que era tudo aquilo.
Sendo um sonho, tudo condizia com o que esperava. Muita paz em campo fértil e florido, seus pés afundavam a grama fofa, quando se viu rodeado de pessoas amigas.
De repente, uma escada se afigurou no meio do sono. No meio do caminho tinha uma escada. Tinha uma escada no meio do caminho. Diria se fosse Drummond. Mas não o era, caso encontrasse um tigre ou jaguar, talvez pudesse ser Borges. Entretanto, só havia mesmo degraus, então supôs que poderia estar dentro da obra de Charles Dodgson no pseudônimo de Lewis Carrol.
O que esconderia as profundezas abissais da escada? Não havia mais pessoas amigas a seu redor. Tudo eram curiosidade e desejo.
Embrenhou-se. Sentiu à medida que descia seus pés sendo ensopados juntamente com um som de mar e ondas se quebrando. Seria uma aventura marítima de Joseph Conrad? Adentraria o oceano e vislumbraria os segredos nele contidos nas 20 mil léguas submarinas de Julio Verne?
Era muita literatura e mais ainda ansiedade. O ambiente esfriava e escurecia. Na verdade, deixava os limites do sonho e adentrava o universo inferior, a caverna platônica onde monstros poderiam ser despertos. Ele mesmo poderia ser um deles... O perigo agora o atraía. Queria vivenciá-lo em toda a sua extensão.
Aquele local teria extensões? Saberia encontrar a volta? Se estava ali, pensava que algo ou alguém poderia ajudá-lo tal como Virgílio em A Divina Comédia de Dante Alighieri. Sentia segurança, até ser envolvido no mais completo terror a La Alfred Hitchcock.
Em meio a um oceano que se revoltava cada vez mais, uma onda o encobriu e surgiu um Kraken mitológico.
De repente, tudo começou a se diluir em pó. Grãos de areia consumiam o mar que virou o universo desfazendo-se em forte vento. A via láctea em pó não era mais um ninho. Estava mais para o leite Ninho que sem aconchego não substitui o leite maternal.
O dito leite racional bíblico e sem malícia. Como tudo desmoronava, percebeu que seu ser é quem sumia e enfim desaparecia deste mundo a qual sua insana mente criou. Percorreu o sono, adentrou os sonhos para descer aos níveis do pesadelo.
O mar? Seu suor. O medo, seu companheiro e um tanto de silêncio colaboraram para a viagem.
Sair dependia do contexto e do despertador que tragicamente não o avisava que já era hora de acordar.
O desespero-tormento só parou quando suave mão o tocou. Viu. Era a sua desdobrada em muitas outras. Mas será que sabiamente o conduziam a vida vivida novamente?
Andreia Cunha
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