'Nas palavras residem os reflexos de quem somos ou buscamos ser'. Quem disse que a palavra tem um só verso? Quem disse que ela não tem seus reversos? E nesses versos criamos poemas, tecemos a vida vivida e a vida sonhada. Qual a verdadeira, qual a errada? Não há e o que fica é o per - verso de que tudo é múltiplo. Brindemos a essência universal pois talvez sejamos um sonho sonhado por outrem, tecidos nos retalhos desse universo que nos carrega nas linhas do tempo.
domingo, 30 de setembro de 2012
sábado, 29 de setembro de 2012
O QUEIJO E A VIA LÁCTEA
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Augusto dos Anjos
Eram os idos de uma época distante e tudo ainda era visto
com certa desconfiança, isto é, qualquer pensamento que fugisse aos padrões
impostos pela grande Controladora não era algo bem vindo e deveria ser
eliminado. No entanto, fato era que alguns não se contentavam com os preceitos
da grande Controladora e se via em grandes problemas para pensar e pôr suas
ideias em prática.
Geralmente a prática ficava apenas no pensamento ou bem
escuso em papeis, material bem difícil de se obter.
Apesar dos contratempos, um homem simples resolveu abdicar
das regalias de ter a vida salva pela Controladora e pôs-se a pensar, pois sua
mente não se continha nos moldes tradicionais impostos pelo sistema. Essa era
sua dor e também o seu prazer. Era no seu escondido do mundo que encontrava
enorme vontade de continuar a vida e ter nela um sentido para o tudo que se
sucedia ao redor. Mais que normas e regras, ele precisava de sentido: o seu
experienciado mais do que o apenas falado como ideal.
Aprendera a ler parte com um monge, seu tio, e o restante
sozinho mediante alguns livros que por vezes chegava a suas mãos. Mágico
momento era o de se esconder entre os animais para decifrar o que o papel
guardava como mistério. Pensava um dia em poder colocar as suas joias também no
papel. E não tardou mesmo em praticar tal ato.
Sua mente voava no que lia. Saber das estrelas e do universo
dito como infinito apesar das controvérsia da Controladora era algo que o
fascinava. “Como algo pode não ter fim?”
E foi nos confins do sem fim que seu corpo se embrenhou para
explicar o que sentia borbulhando em sua alma prestes a derramar caso não colocasse
as ideias em prática. “Via Láctea...” Foram as primeiras palavras que lhe
perturbavam e semeavam sua terra mental.
Tudo é leite. O mais racional da Criação é o leite. Isso o
alimentava como essência para o manter vivo nas suas loucuras. Por que nãose pensava
numa figura materna criadora, visto que é da mulher que o homem nasce? Algo
deveria estar errado na história da criação colocando o homem como centro. E a
tal via láctea comprovava seus pensares.
“Se tudo parte do leite nada mais natural que exista uma
figura materna!” Nisso calcava toda sua
teoria. Havia uma mulher escondida na Criação e isso para ele era mais do que o
óbvio em luzes na escuridão.
Por dias, se via fazendo conjecturas, “mas o que seriam os
homens nesse contexto, visto que moravam dentro dessa via de leite
racionalmente criador que alimentava os sereszinhos habitantes desse tal
universo?’
Julgou: do leite se faz tanta coisa... Talvez estejamos
dentro de um imenso queijo! A forma espiral da via láctea dá a ideia de que
algo se agita como se numa panela tudo estivesse girando.
Queijo! Essa é a resposta... Eureka – proferiu as palavras
gregas como solução para seu embate mental. Somos as bactérias, os organismos
que se formaram a partir desse queijo em formação...
Sua felicidade era imensa em conseguir algo tão concreto
quanto as ideias da Controladora para ele sem sentido.
Não conseguia se conter com os dias se passando, nessa
teoria tudo se encaixava, é claro que ele tinha medo de seu entusiasmo, mas no
fundo se sentia tão puro e limpo do que aceitar tudo em mudez eterna que aos
poucos foi deixando escapar o motivo de tanta alegria para os demais que já o
olhavam com desconfiança de que algo o havia causado a tal felicidade extrema.
Nos tempos da grande Controladora tudo deveria ser moderado
e o que fugisse a essa regra primordial deveria ser profundamente investigado.
E isso logo lhe causou problemas, pois esconder algo tão humanamente verdadeiro
era quase impossível visto que seus olhos brilhavam e exaltavam seu
conhecimento muito mais abrangente do que a Detentora da verdade.
Ao ser pego numa noite de lua cheia foi logo acusado de
bruxaria visto que livros profanos foram encontrados nos aposentos mais
secretos de seu lar humilde. Sentiu-se caçado e de fato era a caça da vez.
Muitos já estavam nessa triste situação por muito menos. Com ele não seria
diferente.
No entanto, sentia-se ainda assim feliz por pensar além dos
moldes impostos. Pensar para ele era algo que valeria até a pena do morrer
queimado em público: o que de fato aconteceu logo após o terrível julgamento
seguido por diversos acusadores que o chamavam de bruxo com palavras torpes
mesmo com sua antiga ajuda pela vizinhança agora esquecida de suas benesses.
Foi em imensas labaredas que vislumbrou o queijo queimando
como em churrasco sendo derretido para se unir ao Todo lácteo que havia visualizado
em seus pensamentos.
A grande Controladora vencia assim mais uma vez os pensares
vis que ousavam questionar a Suprema Verdade dos fatos.
Andreia Cunha
Sugestão de leitura: o queijo e os vermes de Carlo Ginzburg.
Andreia Cunha
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
terça-feira, 25 de setembro de 2012
A MENINA DOS OLHOS
Ao nascer, encantadora criatura surgia. Bela e graciosa,
porém cega. Os pais não notaram logo de cara. Foi aos poucos que a falta de
visão foi ficando evidente.
Tristes,desconsolados em sentimentos, os pais tentavam
contornar a dor balbuciando palavras ligadas ao Divino: Ele sabe o que faz...
Fato, no entanto, era que a deliciosa criaturinha era feliz
no seu jeito de ser. Menina em sua menina ausente dos olhos. Isso não era
problema. Aos poucos percebia ser diferente em algum sentido, mas nada lhe
apagava a doçura.
Ouvia as vozes e via as pessoas por meio delas. As vozes lhe
traziam sempre a imagem real de seu ausente ponto de vista ocular. Pois, ela
enxergava a alma. Era a alma que ouvia e a fazia ver o inverso do que olhos,
doentes pelo tanto ver, não conseguiam captar.
Certa vez, deparou-se com uma mulher mais velha, a voz
aparentemente não denunciava a idade. Voz menina em corpo maduro. O que
evidenciava alguma incompatibilidade era o mau humor sempre constante naquele
ser.
A menina, a princípio, calada ficava na presença da dona da
voz, por não ter ainda uma imagem mental plena do que ouvia. Sabia, porém que
algo não condizia, não se encaixava plenamente. E isso a intrigava.
Era uma parente que ficaria em sua casa por algum tempo
devido à saúde debilitada. Apesar da ranzinzice, ela, menina, gostava de fazer
companhia à mulher madura de voz criança. Um mistério deveria ser desvendado e
as coisas precisavam retomar o curso natural do se ser no mundo.
Numa conversa dessas como quando não se quer nada, surgiu um
papo interessante:
- Sabe, dona moça a senhora tem uma voz tão linda... Eu te
vejo como uma grande menina, pois sei que não tem tamanho para assim ser...
A mulher um tanto sem jeito, pega de surpresa pelo elogio,
tentou disfarçar com um ar de: oras, menina quanta bobeira, deixe isso pra lá...
- Não, dona moça, não é bobeira... Sua voz é menina e sei
que em você ela se esconde nessa aparência mulher escura pela dor.
- Ei, ei, ei que negócio é esse de mulher escura?
- Dona moça, não falo da pele, pois eu nem vejo... Antes de
brigar à toa comigo olhe para mim. Falo escura das dores e dos dissabores que
parecem que te tiraram o gosto pela vida. Sua voz é toda amor e é nela que está
a sua essência.
A mulher ficou meio que sem chão perante a candura da menina
dos olhos. Havia algo nela que a fazia ver mais que aos outros ditos sadios dos
olhos. Suas meninas dos olhos eram verdadeiras meninas transpostas na figura
menina que ela era no mundo. Maior que a possibilidade de se reter na retina, as
crianças travessas brincavam em todo o seu corpo fazendo-a ver além do que o
humano pode ver.
Seu corpinho todo frágil não se detinha nos olhos,
transpunha as barreiras nas meninas que ocupavam seu espaço de corpo.
Atônita, a mulher antes escura chamada de dona moça,
percebeu-se diferente. Algo havia clareado em si. Uma nuvem passara e ela
ensolarando-se percebeu que suas dores não eram nada comparada a possibilidade
de uma cura – ou não...
Ver ouvindo sua voz já lhe bastava como vida inteira para
compreender que há muito mais que lamentações e tristezas a serem choradas
pelos olhos onde suas meninas sadias habitavam.
Deu-lhes um sorriso de presente.
Andreia CunhA
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
OU-SEI
Ousei sonhar
O que antes achavam absurdo
Ousei caminhar
Trilhas escuras, barrentas, enlameadas
Ousei ler
O que diziam ser segredo para poucos
Ousei ainda assim lutar
Contagiei ideias e incendeei o mundo
Ousei viver
Não aguentaram a vida com tanta verdade
Simplesmente ousei
Seguir nos percalços da ousadia
E foi por mãos covardes que senti na pele
A força da bala em pressa que tombou meu oco vazio
CorpoFrio.
ANDREIA CUNHA
terça-feira, 18 de setembro de 2012
PELA PELE
Divinizada
Perecível
Por ela
O suor escorre
Eis enxuta
Enrugada
Abafada
Recolhida
Sufocada
Abrindo em poros
Livres
Ela?
Suave cobertura,
Almejada tessitura
Andreia Cunha
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
DESEDUCANDO A EDUCAÇÃO
Costumava dizer que o melhor que um ser humano ainda pode
ter é ser dono irrestrito das funções de sua mente. Mas quanto à matemática
dessa assertiva, no atual, acontecia uma redução em porcentagem significativa
na medida em que pelo excesso de controle remoto educativo a coisa ia se
degringolando e consequentemente perdendo a noção da realidade do se ser no
mundo.
Mas o que era a realidade naquele contexto? Apenas conter a
rédeas curtas os espaços mais que limitados dos supostos pensantes? Pelo jeito
o mundo intelectual estava se reduzindo a largos passos e isso era o que a
minoria bem queria para continuar ativa na detenção das atividades
controlativas e deploráveis do processo de conhecimento evolutivo no mero
mundinho vasto a ser ainda decifrado.
-Triste!
Balbuciava em seu mudo calado exterior, mas não mental...
Até onde iria sua consciência da realidade? A situação estava ficando sufocante
caso não se ajustasse aos moldes criadores, porém não criativos dos detentores
da irrazão. Sistemas e mais sistemas burocracias como soluções – nada eficaz,
claro.
O controle remoto-mor deveria se sobrepor ao
individual que deveria estar sempre em crescimento caso se praticasse uma tal
de leitura que era feita com os olhos e mente ativas, livre para a imagem em ação.
Daí imaginação.
No entanto, era com o desconhecimento que mantinham certas
funções inativas e resguardadas dos leigos ensinados a não gostar do prazer
interessante que a leitura com olhos atentos proporcionava... O escravizar era
pelo incitamento do não gostar sem ao menos experimentar.
Abrir portas e janelas somente no denotativo e mecânico.
Voar? Impossível para um pássaro podado desde o tenro nascimento. Eis a função
do determinismo funcional intitulado como mero caso do acaso de um destino
fatalistico e surreal.
Até que num fatídico dia em meio a escamas que caíram sei lá
de onde algo começou a mudar-lhe os sentidos. Ver eram com o tato, sentir era
com os olhos e o paladar estava nos ouvidos os cheiros era com o corpo todo
aguçado num êxtase inebriante de sensações irrefreadas nos sentidos amalucados.
Era o deseducar que precisava ser ensinado. O controle
não deveria nem de sombra ser remoto e ausente, deveria sim ser mais que
presente nos dês-controles em cisão do objeto para se ver o que não mais acontecia como
regra – a dês-regra.
O controle deveria ser aberto como se fosse uma operação e o
corte em bisturi. Uma nova plástica se faria no ser que antes controle remoto
teria a chance de se ver revendo nos espelhos não torcidos de sua mente agora
plena e sã de sua existência não apenas virtual.
Aí sim portas e janelas poderão ser abertas no conotativo
mais que em controles remoto controlados por um algo superior...
Andreia Cunha
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
domingo, 9 de setembro de 2012
sábado, 8 de setembro de 2012
TOMADA 2
Seu corpo correspondia ardendo em fogo juntamente com o som
do tambor enquanto a largas planuras uma imensa cúpula do céu se abria em sua
mente.
Naquele momento, o imenso círculo que o envolvia em forte
vento nas alturas de seu céu interior lhe indicavam que ele todo era apenas uma
semente pronta para o plantio que serviria também de alimento. Seu ser suspenso
no centro desmembrava-se em caule, tronco, folhas, frutos.
Os pêlos que recobriam seu corpo diminuíram sua estrutura
óssea em metamorfose modificava até que expelido pelo vento que o chamou caiu
em novo ambiente. Sua queda apesar de brusca não o machucou, fora aliviado nos
instantes finais.
O tudo era novo e o todo que antes conhecia era
infinitamente complexo a seus olhos ainda perdidos tanto quanto em seu mundo de
origem. Via seres semelhantes a sua figura dançando uma música frenética em
passadas largas sem direção. Locais de intensa altura na qual buracos iluminados abertos permitiam a entrada e a
saída e o sumiço de quem ali passasse.
Em meio à multidão atordoada ninguém o via, estava como um
deles apesar do não pertencimento àquela época. Seu andar ereto o punha em
posição mais confortável para se andar. Mas ainda confuso e profundamente
desconectado ouvia assim o tambor primordial que desencadeou todo esse processo
insano de existência. O ritmo era outro, o medo o acelerara a ponto de estar
prestes a explodir pela total incompreensão do tudo que via.
Adentrou um dos buracos e se assustou com a incrível beleza
do tudo que ali se via. Não sabia nomea-los.
Se abrisse a boca sairiam grunhidos longos e altos porém pasmado se
mantinha calado e num canto invisível a maioria...
Ajoelhou-se num vão e algo lhe soou aos ouvidos que o fez se
voltar para a direção de onde viera o som. Não sabia o que significava: “O
centro está onde também está o seu olhar”. Apenas por instinto se virou para o
som que o despertou ali no encolhido do pó ao chão.
Uma tomada. A ele, três pequenos buracos que não lhe
explicavam em nada o mundo que via sob os olhos vendo cegamente o que não se
podia ainda entender, os ouvidos abertos a sons e surdos pelo absurdo do
complexo incompreensível do nada não saber.
“O centro está onde está também o seu olhar” e seu centro
era um canto enquanto outros e muitos a
seus olhos dançavam a música das esferas. Mal sabia que existiam aquelas
criaturas , pensava antes ser apenas um perdido entre outros esporádicos.
Poderia ser a caça tão temida em seu mundinho original.
Poderia ser a comida ritualística para a renovação das forças daqueles novos
homens que andavam como insetos. Talvez
fossem a s feras dos outros tempos que teria de enfrentar? Não, não pensava com
palavras. Tudo era medo e pulsação como a do tambor que direcionava seu centro
para a tomada de onde parecia vir agora o som.
A tomada o sugou e em velocidade acima da total imaginação
humana foi retornando a origem de seus pesadelos. Em corrente elétrica o mesmo
vento que o transformou em homem moderno a árvore, agora o metamorfoseava em sua imagem
de origem. O círculo, louco, místico e atemporal o trazia para sua rotação
normal.
Não acordou mais o mesmo, era muita verdade para sua imagem primitiva.
A partir daquele dia começou a escrever.
Andreia Cunha
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