Abriu o livro como quem abre os olhos para o mundo.
Antes, ingênua, não percebia a vida, seu jogo velado criado pelos
participantes mais atentos.
Tudo agora lhe parecia novo. Uma pequena mudança de foco a
fazia perceber a escuridão e o mais importante aprendia cada dia mais a
enxergar através dela.
Não era necessariamente a luz que abrigava os seres contra o
mal ou os protegiam com seu suposto bem. Era basicamente a noção do tamanho do seu
escuro interior que a faria encontrar meios de alumiar seus espaços.
Era nas palavras que o enigma se escondia e muito bem
perante a inércia, a preguiça e o descaso do homem – bichinho tão pretensioso e
repleto de vaidades distorcidas em seus espelhos.
Naquele momento, de livro aberto e mente ainda inebriada a
vida se revelava bem acima das peças do dominó com seus números marcados e
subdivididos por uma barra. As peças, antes um mundo individual, vistas de cima
pareciam apenas figuras soltas e ingênuas e não mais muralhas deitadas
inescaláveis com os pontos pretos em imensas depressões.
Era boa, muito boa a sensação de despertencimento,
despregamento do chão pela lei da gravidade. Pena que demorara tanto para
sentir esse amadurecimento sensorial. Talvez houvesse um motivo ainda escondido
nas mangas do Sr Destino.
- Sr Destino.
No entanto, percebia também que personificá-lo era uma fuga
de sua própria trajetória de vida. Estava vivendo, vivenciando o que
consequentemente construíra por descuido ou excesso dele.
Nomear é tomar posse do antes inominável, mas quando o ato apenas
joga o jogo das culpas e desculpas as regras são alteradas e, sobretudo, era
essa a artimanha que estava aberta a entender.
O livro não continha só palavras, era em seus mudos, em seus
pontos cegos que a surdez dela, leitora, se curava. Haveria de ouvir quando bem
quisesse e quando não quisesse teria a escolha como opção.
Desviaria das sombras do medo presentes na escuridão sob as
capas do terror no abrir da mente como se abre uma porta em meio a um labirinto.
Do alto era possível ver. Sentir. Perceber que não era criada para criado. Que
os criados não são apenas os mudos engavetados. As páginas podem ser viradas,
lidas e relidas, até o fechamento e a abertura por outrem interessado em seu
conteúdo. O belo mistério do escritor-criador.
Não sabia o motivo da criação e apesar de o desconhecer essa
era a liberdade que teria de aprender a apreender. Viver e Com viver.
andreiACunha
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