Um rio fluente. Sua vida seguia um curso. Não sabia muito
bem onde desaguaria, no entanto o desfecho era certo na proporção do ver toda
vida fluir nos outros e também em um tanto de si.
Acabara de levantar da cama um tanto zonzo pelas noites
febris e a falta de noção era considerada normal. Não sabia muito bem se vivia
ou já partira. Fato era que tinha sede. Ele, rio, tinha sede... Riu meio sem
jeito da graça e do trocadilho.
Conseguiu chegar à cozinha e encher o copo quando se deu
conta de estar totalmente só. Apenas a água escorria ralo abaixo pela torneira
ainda aberta. Fechou-a... O silêncio quebrado não com voz alheia, mas pela água
o incomodava como se os ouvidos ainda estivessem conectados ao mundo interior.
Só somente sentiu-se abandonado nesse instante de melhora.
Apesar de tudo seu corpo ainda pedia cama, ele todo árvore
movia-se como se não devesse ter saído do quarto. Seu caule ainda pouco firme
precisaria mesmo de esteio contra ventos e tempestades.
Alimentado pela água como meio de revigorar as células – uma
a uma, poderia talvez voltar ao seu mundo atual restrito àquele quarto.
Acordou com a claridade e um vento suave batendo no que de
seu corpo ainda se mantinha descoberto – o rosto. Alguém abrira a janela. Uma
vontade de chamar, mas a boca não obedecia. Vislumbrou apenas com a audição uma
tentativa de sintonia de rádio à procura de uma estação.
Com certa dificuldade abriu os olhos. Era uma figura
feminina que ali se mantinha enquanto ele tentava novamente se pôr firme para a
vida. Tronco caído, tombado, talvez cortado. Ela, toda flor, bela e perfumada
fez com que novamente o rio se manifestasse em suas veias.
Um ar de novidade invadia com o abrir da janela e os olhos.
Parecia que tudo possuía um cenário e não apenas um tronco quase seco e
desfigurado pelo delírio quente e frio da febre.
Montavam, juntos, um quadro bucólico aliado a uma esperança
verde-água. Riacho em início de primavera. Seria um princípio de paixão?
Suspirou desejando melhorar como antes não fazia.
Amar era para os loucos fortes perdidos na guerra, mas ainda
detentores de um certo conhecimento que a ele não cabia pois seu corpo era franzino
de quem nunca empunhara uma arma de guerra.
Ele agora é quem parecia o louco, o insano... Como
vislumbrar amor deitado numa cama ainda desconhecendo o que o colocou ali em
agonia?
A moça retirou-se. Não sabia quem ela era. Mal sabia no
fundo quem ele era. A não ser pelo desconforto provado no corpo com o passar do
tempo. Tentou sentar.
Logo, adentraram felizes com seus piares-passarinhos por
vê-lo reagindo. Ele mal entendia, porém um grupo de aproximadamente cinco
mulheres e um homem se puseram a beijá-lo e mimá-lo como se fosse o bichinho de
estimação que passou pelo vale da sombra da morte.
A moça não estava.
Enigma. Incógnita. Criptografia. Desígnio. Destino. Mistério
. Absurdo. Vagando vazio no limbo de não saber se ser. Quem era? Quem também
era a moça?
Nos dias que a via: vida. Nos dias que se seguiam: rotina e
inquietação.
Era um anjo a moça, pois nela sentia voltar-lhe a luz, o
desejo, a vontade de esboçar um desejo de criança para depois pintá-lo como
meio de viver.
No dia em que recobrou a memória. Preferiu a morte. Ela era
sua irmã.
Aquele ele morreu. Febril e seco feito tronco cortado.
E o rio continuou a fluir o seu curso natural.
andreiACunha
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