Há muito tinha aquela bela pintura em sua parede.
Lembrava-se dela desde os primórdios de sua infância, mas com o tempo – e este
não é nada sutil com as criaturas humanas e os demais objetos– percebeu que
algo tanto nela, agora com 80 anos, quanto na pintura havia esmaecido até quase
o sumiço total.
Ela até podia aceitar que algo estivesse acontecendo com sua
pele, seus músculos e sua vitalidade, mas jamais poderia deixar que tal pintura
tão bela com um homem tão lindo pudesse se acabar como ela.
Se pudesse faria um pacto dessemelhante ao de Dorian Gray
desde que a imagem permanecesse eternamente jovem sem as marcas do ignóbil Tempo.
No entanto, ainda lúcida sabia que ficções eram meras ficções e nada mais.
Portanto, teve um plano: restauraria ela mesma a pintura que
fora executada por um parente longínquo. O problema é que não tinha muita experiência
nisso, mas para ela isso não seria problema. Afinal desconhecer é algo comum
mesmo para quem tem lá seus 80 tentaria e para isso não desistiria. Detestava
quem facilmente desistia das coisas.
Pegou lá seus produtos químicos e para não deixar o belo
homem esquecido no sumiço procurou primeiramente esticar as cores.
- Que beleza! Está dando certo...
A empolgação foi tão grande que ela resolveu dar um toque
especialmente seu como se fizesse uma releitura da obra. Puxa daqui, estica de
lá, contorno acolá encobre um erro em cima, borra mais embaixo... Sentia-se uma
Da Vinci em sua empreitada restauradoresca e criadoriana...
Ao final já se sentindo a própria dona da obra disse:
- Ecce Homo
E eis quehavia ali o Homem recriado pela visão da pobre
senhorinha. O problema é que seu ancestral era famoso e ela acabava de destruir
a obra prima de valor inestimável com sua releitura abominável tanto quanto ela
em seu estado atual.
E para todos ‘Eis o Homem’ (ou pelo menos que restou dele).
Andreia Cunha
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