Ao tentar me livrar dos grilhões
que me acorrentavam àquele lugar, deparei-me com um espelho. Não era bem um espelho,
mas um pedaço de metal que parecia me refletir ainda que toscamente. Assustei-me,
pois sempre achei que por ser um local escuro não o veria e talvez por isso, por instantes, pensei
se tratar de outra pessoa. Não me reconheci de cara... Óbvio devido há tanto
tempo sem me observar como realmente era ou estava.
Ao me aproximar e tocar-lhe o
metal frio percebi o quanto estava adormecida dos sentidos que podem salvar uma
alma do inferno das anestesias mundanas. Engraçado mesmo foi ter de lidar com
isso e assim presa pelos resquícios de correntes quebradas ainda ter de sair
carregando o novo objeto revelador.
Não, tudo o que pensava estava confuso...
Não era precisamente um sair para fora... Assim mesmo com pleonasmo. Eu,
naquele momento, deveria adentrar-me para observar atentamente o que me era sem
erros no refletido primitivo do metal. Precisava da luz externa e dos caminhos internos.
Subir e afundar em meu ser absurdo para pôr fim aos grilhões que ainda me
detinham aos preceitos e preconceitos das fôrmas do universozinho que até então
me fora ensinado como real.
Não tinha certezas de mais nada.
Meus medos eram espiralados: o engordar, o tornar-se invisível perante a
sociedade, a insaciedade dos teres e quereres, o retorno ao trabalho em nova
fase, o envelhecer, o aproximar-se da morte e como isso se processaria em
escala de dor. Carregava duas cavernas: a externa e a interna. Ambas me
sufocavam, mas tinha de carrega-las, pois há milênios tudo era assim e deveria
continuar sendo.
No entanto, para quem toma
conhecimento dessa crueldade, é humanamente impossível ficar quieto e indiferente
mesmo que com o próprio peso de suas cavernas. O pior é perceber os outros e
ainda assim ser conivente com a injustiça. Sair do escuro quente tem seu preço
e adentrar as paredes movediças do ser em sendo também.
A coerência é não ter coerência,
pois o tempo ampulheta nos faz girar em seu interior como grão de areia em seus
360. O cima abaixo é tão aterrorizante quanto carregar as cavernas em que se
vive como moluscos em conchas. Nenhuma alma desperta suporta tanta verdade
íntima e pessoal sem passar por metamorfoses sejam estas de sapos a borboletas.
Enfrentar o espelho é o mesmo que
girar como areia e ainda assim desejar ser o vidro que a contém.
Não, não se pode ser ou ter tudo
o que se deseja. Mas nos ensinam que ter traz felicidade, nos ensinam que o
sumo está no consumo e se deixar sumir na multidão de zumbis. Não pensar, não
ter ócio, porcos comendo bolotas.
Não é à toa que espeleologia (estudo
das cavernas) se parece com espelhos na escrita. O segredo é ver, abrir os
olhos no escuro e ter a coragem do desdespir mesmo que não seja um desnudar-se
por completo.
ANDREIA CUNHA
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