Tinha consciência. Era um objeto. Redondo e recheado de elementos químicos fortíssimos. Na parte superior um pavio não muito longo a completava. Chamavam-na de bomba. Arbitrariamente alguém a tinha denominado. Na verdade, não sabia como sabia de tudo aquilo. Talvez, no momento de sua confecção, algo diferente lhe foi acrescentado. As demais a seu lado aparentemente não tinham essa sua nova maneira de ser. Pensava, sentia e sabia que seu uso seria para breve apesar da curta temporada para ser gerada. As mãos que a geraram estavam repletas de uma placa gosmenta que era invisível aos humanos. Não para ela, bomba em formação. Era o famoso ódio. Um tanto desse líquido grosso ficou em seu corpo.
Tinha aquele sentimento, porém nem sabia o porquê. Por conseqüência, odiava o que seria seu alvo (sabia de antemão qual seria seu destino e, portanto, seu fim). Era uma menina quieta como as outras para quem a olhasse de relance. Calada, (como, aliás deveria ser) obediente a seus princípios.
Escutava mais do que falava. O problema estava no conteúdo do que sempre ouvia de seus mestres formadores. Um discurso de intolerância às diferenças culturais e religiosas.
Em sua curta temporada, percebeu que outra igual a ela e quase a seu lado naquele depósito também era sua semelhante e partilhava o mesmo dom de ouvir e pensar. Enamorou-se, pois era uma bomba-macho. Tinham os mesmos sentimentos e sabiam que em curto tempo teriam um final explosivo. Combinaram de estar juntas quando, enfim, isso acontecesse.
Naquela mesma noite, foram alinhadas e houve uma reunião secreta de seres humanos no mesmo local combinando estratégias. As duas eram as únicas que sabiam como deveriam proceder na hora H. Estavam felizes. Era o dia seguinte que enfim tudo viria aos ares.
Unidas fariam cumprir seus papéis. Unidas entraram no dito metrô. Unidas sentaram-se e unidas iriam sair, unidas também se enlaçariam naquele "bum" que seria uma metamorfose. Um som que abre as portas do metrô quando chega a uma determinada estação toca.
O momento era chegado; ao serem conduzidas até a saída os segundos findavam com a ansiedade. A hora de vida em forma de elementos químicos separados terminaria. Festivamente um som ensurdecedor eclodiu como se um imenso ovo precisasse daquele momento para nascer.
Pelos ares: partes, tecidos, bolsas, sapatos, semi corpos, estilhaços de vidros e ferro, colunas de cimento, placas, mãos, pés, pernas, gases, fumaça, muito pó... O momento finalmente nasceu.
Daquele caos, eis que dois saem como fênix das cinzas. Braços dados, enamorados pelo destino concluído, humanamente apaixonados saem: felizes e nus. Não sabiam quem eram entre tantos gritos de dor e desespero. Não sentiam nada daquilo que os tantos outros ao redor sentiam: dores, gemidos, morte e tristeza em queimaduras. Para selar a união, concluíram seus sonhos numa parada estratégica para o tão esperado beijo na boca que antes não possuíam.
Andreia Cunha
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