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terça-feira, 31 de março de 2015

MO NÓ LO GO MO DER NO




Vivia agitado com os compromissos pendentes, sempre para ontem. Tinha se acostumado a esse ritmo, embora internamente achasse que não deveria. Sentia-se uma fera domada e que agora já não se recordava tanto dos instintos primordiais.
O esquecimento de seu outro eu em conta-gotas o incomodava. Por vezes, regurgitava-lhe na mente um bolo ácido como se fosse um alimento mal recebido pelo estômago.
Haveria uma reunião na empresa e muita ‘lavação de roupa suja’ estaria em jogo. Sabia de antemão que nessas ocasiões todo e qualquer aparelho eletrônico seria inconveniente se estivesse ligado. Ordens expressas dos superiores que por uma escala descendente não queriam levar broncas devido ao comportamento de um subordinado.
Tantos cuidados e ele, por cuidados familiares, deixou seu celular somente no vibra. Motivo: seu filho estava doente e as preocupações eram consideráveis a ponto de justificar a atitude incorreta para o momento. Na correria, igualmente esqueceu de avisar seu chefe.
Sendo a vida um mar de imprevistos, imagine, o celular vibrou em meio a um silêncio sepulcral na hora em que o boss expunha o motivo do encontro. Por menor que fosse, o ruído não passou despercebido e todos os  olhares se voltaram para a direção de onde o som vinha. Entre a agitação de “o meu não é!”, “parece vir daquela direção...” Ele tentou se explicar, pediu desculpas, licença para sair e atender o celular mediante a necessidade do ocorrido.
Aquele momento parecia eterno por conta de todos os seus pedidos em meio a olhares tão hostis e fuzilantes.
O número era o de sua casa. A expectativa era grande e preocupante. Atendera. Uma voz em assobio desafinado respondeu. Reconhecia vagamente a voz, mas não acreditava que alguém de sua casa pudesse cometer atitude tão descabida.Desligou furioso, mas para desencargo de consciência, retornou a ligação.
Uma voz masculina respondeu:
- Até que enfim! Pensei que não retornaria!
- (...) Quem é você e o que faz em minha casa?
- Ora, ora, não reconhece mais esta voz? Está muito mal de ouvido, hein!
- Nunca fui bom de ouvido...
A voz era familiar e essa sensação o incomodava ainda mais.
- Será que você anda tão anestesiado dos sentidos que não reconhece mais a sua própria voz?
Ao ouvir o “sua própria voz” um susto assomou-se em seu ser em um gélido calafrio.
- Como “minha própria voz?”
- Eu sou você – o seu eu primordial adormecido, anestesiado melhor dizendo.
Não podia acreditar, não via a imagem, mas também não podia negar. Tudo era muito seu. Sentia algo de pessoal naquele ser a ponto de não desacreditar ser ele mesmo. Para se situar, fez-lhe diversas perguntas sobre particularidades. Todas respondidas com riqueza de detalhes.
Pela insensatez do fato não mais se importava com a reunião. Estava atônito com a possibilidade do desdobramento do seu eu.
- Como está “nosso filho”?
Admirou-se com o termo “nosso”. Percebia-se perdido com as palavras.
- Olhe, ou melhor, OUÇA, ele está excelente. Quem está doente é VOCÊ e isso já vem de longa data. Há algum tempo, seus pensamentos permitiram-me espaço para sair e hoje ganhei vida para te orientar.
Nesse ínterim, o da reunião recapitulou sua vida e viu o quanto estava enjaulando-se em espaços cada vez menores. Terminaria por sufocar-se nas paredes movediças que ele mesmo estava construindo e se deixando comprimir. Poderia ser sandice, entretanto não podia deixar de constatar a veracidade do que o do celular transmitia.
Pagaria um preço por aquela audácia do vibrar do celular e pelas outras atitudes. Mas por enquanto, aquela verdade lhe bastava e preenchia tanto seu ser que já sentia as paredes movediças se distanciando do pouco que restava de seu espaço interior.
Esperava ver-se, abraçar-se não sabia se seria possível. Saiu dali sem autorizações assobiando desafinadamente como sabia para casa. Sua fome era intensa e era ela que deveria ser primeiramente saciada. Tinha um encontro e este sim não poderia ser adiado.

andreiACunha




quarta-feira, 18 de março de 2015

DEZ A FIO



DEZ A FIO

Des cons tru to
nulo
Des cons tru í do
motivo
Des con tra í do
mudo
Des pos su í do
Sentido
DeS cons tru ti vo
Indo
Construintuitivo
des vin do
s-c-into
 
andreiACunha





domingo, 1 de março de 2015

NO SÓ SAUDADE BAILARINA LIBERDADE



Conheci um menino com o dom de amor.

Era horas passarinho beija-flor, bem-te-vi, quero-quero, pica-pau-cantor.

Muitas vezes era árvore de raízes largas e profundas fixado no pensar e no sentir. Nessas horas dava frutos e alimentava toda a família com o doce sabor de ser ele mesmo: menino, porém amadurecido na simplicidade de ser criança.

Era todo infância. Era sonho, fantasia, cachorro, gato, tigre, poesia. 

Tinha asas, mas voava mesmo com as palavras ainda tão pequenas, no entanto graciosas.

Era pedra e era pluma pena de ave leve dançarina.

Mais tarde, em sua vida apareceu ela, bela bailarina, por quem se apaixonou na passagem do circo da vida alegria.

Quando Ela passou pela cidade, semeou em seus olhos a felicidade e levou-o andarilho.

E lá se foi menino poeta em feitiço apegado à bailarina -Liberdade.

Na vocação do nada ter em muito ser. No só Saudade...

andreiACunha