quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

CRIADO




Abriu o livro como quem abre os olhos para o mundo.

Antes, ingênua, não percebia a vida, seu jogo velado criado pelos participantes mais atentos.
Tudo agora lhe parecia novo. Uma pequena mudança de foco a fazia perceber a escuridão e o mais importante aprendia cada dia mais a enxergar através dela.

Não era necessariamente a luz que abrigava os seres contra o mal ou os protegiam com seu suposto bem. Era basicamente a noção do tamanho do seu escuro interior que a faria encontrar meios de alumiar seus espaços.

Era nas palavras que o enigma se escondia e muito bem perante a inércia, a preguiça e o descaso do homem – bichinho tão pretensioso e repleto de vaidades distorcidas em seus espelhos.

Naquele momento, de livro aberto e mente ainda inebriada a vida se revelava bem acima das peças do dominó com seus números marcados e subdivididos por uma barra. As peças, antes um mundo individual, vistas de cima pareciam apenas figuras soltas e ingênuas e não mais muralhas deitadas inescaláveis com os pontos pretos em imensas depressões.

Era boa, muito boa a sensação de despertencimento, despregamento do chão pela lei da gravidade. Pena que demorara tanto para sentir esse amadurecimento sensorial. Talvez houvesse um motivo ainda escondido nas mangas do Sr Destino.

- Sr Destino.

No entanto, percebia também que personificá-lo era uma fuga de sua própria trajetória de vida. Estava vivendo, vivenciando o que consequentemente construíra por descuido ou excesso dele.
Nomear é tomar posse do antes inominável, mas quando o ato apenas joga o jogo das culpas e desculpas as regras são alteradas e, sobretudo, era essa a artimanha que estava aberta a entender.

O livro não continha só palavras, era em seus mudos, em seus pontos cegos que a surdez dela, leitora, se curava. Haveria de ouvir quando bem quisesse e quando não quisesse teria a escolha como opção.

Desviaria das sombras do medo presentes na escuridão sob as capas do terror no abrir da mente como se abre uma porta em meio a um labirinto. Do alto era possível ver. Sentir. Perceber que não era criada para criado. Que os criados não são apenas os mudos engavetados. As páginas podem ser viradas, lidas e relidas, até o fechamento e a abertura por outrem interessado em seu conteúdo. O belo mistério do escritor-criador.

Não sabia o motivo da criação e apesar de o desconhecer essa era a liberdade que teria de aprender a apreender. Viver e Com viver.

andreiACunha









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