segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O MISTÉRIO DE SALLIBUR E DIÓGIOS DORNÉE




O cotidiano é rasgado na espessura de suas horas. A vida nesse sentido é um ato de montagem contínuo e interminável. Alguns fragmentos permanecem conosco na memória, portanto o que temos são picotes que por mais que queiramos nunca formará um todo em quebra-cabeças: muitas peças se perdem pelo caminho.

Parte 1

As crianças estavam perdidas, eram muito pequenas para saber que rumo darem as suas vidas com a perda precoce dos pais, consumidos por uma peste. Livraram-se pelos cuidados da mãe. Agora o desespero e o desamparo destas era dolorido de se ver. O mais velho com sete anos, era o que com pouca experiência se lembrava de alguns conselhos paternos. Teria que fatalmente ser o guia e também aprender na marra algo para cuidar dos menores: um de cinco e os gêmeos com três anos.

Buscaram refúgio na floresta onde havia uma casa abandonada, sobreviveram por sorte e por um asceta que adentrando a mata seguia seu caminho de resignação. Este viu as crianças, os menores chorando e os mais velhos perdidos à procura de algum tipo de alimento. Na mentalidade daquele homem jamais poderia deixar tais criaturas desamparadas, por isso, aproximou-se com a intenção de saber mais sobre as crianças e o que poderia ser feito caso estivessem perdidas ou tivessem fugido do lar.

Passaram a ser companhia de Diógios Dornée. Este ensinou os mais velhos a arte da leitura e da escrita. Os meninos: Guelty, Falbo e os gêmeos Gidd e Belky (a única menina) passaram a tê-lo como figura paterna e contar sobre suas curtas vidas.

Diógios não permanecia num único local, de forma que sabia que em algum momento algo se clarearia e traria o destino certo resultando num reencontro com algum familiar distante. Os meninos tinham avós, entretanto pouco sabiam deles a não ser pelo pai que os elogiava dando-lhes exemplos principalmente do avô que tinha certo problema de visão quando jovem.
Nessa vida de ambulantes, várias eram as vezes em que paravam dois ou três dias num local sempre amparados pela bondade alheias na qual nada lhes faltavam: desde alimentos a roupas. A próxima parada seria em Árgueles, antes um pequeno vilarejo, hoje, uma cidade com recursos embora ainda em formação.

Parte 2

“Nada mais humano que saber que a vida é sustentada numa ilusão contínua.”
Ele havia lido essa frase não se lembrava em que livro. Tinha-a como fato e acrescentava ao final as palavras: e também divina. Acrescentava a hierarquia celeste, pois a vivência lhe mostrara o quanto se faz necessário o mito visceral nas crenças. Sem elas, por vezes, fica tudo vago a ponto de não ter chão.
Não acreditava que os seres divinos existissem fora do “EU”. Acreditava num Deus dentro dele mesmo. E eis aqui um dos motivos que darão sentido a esta história.
Há fases na vida em que se pode deitar tranquilamente na relva e sentir a paz e a sensação de completude. Há outras em que o caos é o protagonista e tudo acontece em explosões, confrontos numa aparente insensatez que desconhecemos momentaneamente, mas que colaborará num renascimento em processo de formação.
Sallibur Titúbio é o nome desse universo em formação tecido por palavras que, tal como o vale dos ossos secos na visão do profeta Ezequiel no Velho Testamento, ganhará vida com o discorrer dessa narrativa.

Parte 3

- Minha visão sempre foi curta. Desde meu nascimento, tive problemas com os olhos. Eles eram frágeis, mas ao contrário da maioria que nasce com esses órgãos sãos e com o tempo sentem o fenecimento, tive a graça de tê-los aprimorados a cada ano que completava.
Não era fácil para meus pais terem de lidar com a possibilidade de terem um filho cego. Porém, a essência do que quero contar aqui não está fundamentado em tristeza. Esta fase é apenas uma parte desse todo que me compõe e que até esse presente momento pude viver.
Vivenciei um divisor de águas quando perdi minha amada mãe. Isso para mim foi um inferno, pois era ela que com o dom da sabedoria e o amor me impulsionava a encarar o mundo mesmo deficiente. Diversos espíritos se personificavam em meus pensamentos e eu era um brinquedo em suas mãos. Tentava me esconder, e chegava a lutar com o vento. Só me deixavam quando vencido pelo cansaço me entregava inerte ao chão que antes parecia não existir.
Grande calma presenciei quando conheci Haiedna que viria a ser minha esposa. Com ela conheci o que era deitar na relva e sentir a tranqüilidade e a paz da criação. Não percebia que aos poucos minha visão melhorava. Estava imensamente feliz que tudo parecia normal.
Senti a alegria de ter filhos e também de perder dois deles. Vi-os casando e tomando seus rumos em lugares distantes. Tão distantes que as visitas eram muito esporádicas. Sentia falta deles, mas a vida prossegue queiramos ou não. Perdi minha esposa, entretanto mais amadurecido não tive os mesmos medos da adolescência. Questionava os ocorridos: perdas, educação e amor. Era só o que podia fazer e o que de melhor me proporcionei, pois não me aliei à revolta por conta das limitações físicas e os distanciamentos.
Tudo o que pude vivenciar foi nessa cidade que mesmo antes de ter esse título. Árgueles foi, é sempre será o chão que me mantém pleno de dores e amores e vida no sentido mais amplo a que posso me referir.
Sou Sallibur Titúbio e neste festejo gostaria de agradecer a todos que me colocaram como cidadão homenageado. Encerro com a esperança de que apesar da distância meus filhos: Ingmar e Vijiwin tenham tanto orgulho quanto o povo desta terra Amada Árgueles.

Parte 4

Falbo,que naquele dia estava completando dez anos, e Guelty não se cabiam de alegria ao relembrar o nome do avô e ainda mais em estar presenciando seu discurso na qual citava seu pai Ingman.
No meio da festividade, a muito custo Diógios e os meninos tentavam encontrar Sallibur. Talvez este não permanecesse noite adentro devido à idade, mas teriam de correr o risco para enfim concretizarem esse milagre de reencontro.
Encontraram Sallibur já de saída do festejo. Os meninos mais velhos gritavam Vô com tanta felicidade que o velho quase teve um ataque. Sallibur foi agarrado e sem entender a princípio sentiu grande alegria em ser cumprimentado com tanto calor.
Diógios foi quem teve que ser o portador das novas. Apresentou os meninos incluindo os gêmeos que nem chegou a conhecê-los. Tudo parecia irreal por tanta felicidade contida. Todos reunidos. Muitas perguntas, respostas, mistura de sentimentos e sensações pelas perdas e reencontros. Tinha que ser tudo ao mesmo tempo? A vida é assim: repleta em alguns momentos e vaga em outros.
Após toda a euforia. Sallibur foi conhecer Diógios e ambos se abraçaram e eis o mistério de toda a criação a qual até presente momento não se obteve resposta. Ao se abraçarem, ambos se tornaram uma só figura. Diógios e Sallibur eram uma só pessoa, eram parte de um todo que nos forma e nos completa. Os meninos não ficaram desamparados tanto Sallibur quanto Diógios são mistérios desse imenso universo a qual ainda tentamos decifrar.

Andreia Cunha











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