Entrou no Paraíso... Metrô razoavelmente vazio... Carregava um instrumento musical envolto em uma capa vermelha com alças...
Pelo formato, seria, e só poderia ser, um violoncelo... Moça loira, franzina, com uma bolsinha florida, além de carregar o instrumento musical, é claro...
Aliás, não o carregava, pois parecia mais um anjo flutuando com sua enorme lira entre os mortais... Apesar do tamanho e do peso de um cello, este não lhe parecia pesado...
Logo se sentou e bem a minha frente. Colocou o instrumento entre as pernas de modo que parecia esconder-se nele...
Será que realmente se escondia? Desconfiou e, por isso, tentou esconder sua condição de anjo? Denunciei meus pensamentos e em sua condição onisciente percebeu minha desconfiança?
Não sei... Mas creio que não, pois durante o trajeto até a estação Conceição onde desceu, caminho curto, ela mal me notou em minhas observâncias...
Escondeu-se tão graciosamente entre o cello que a voluta do instrumento parecia sua cabeça e o corpo do instrumento, o seu próprio...Um violoncelo sentou-se, diria qualquer um que olhasse sob o meu ângulo... Nesse micro trajeto, uma ou no máximo duas vezes afastou o instrumento para observar o nome da estação em que estávamos... Breves momentos em que revelava um pouco de seu perfil...
Aos poucos, o metrô ia enchendo... Algo um tanto estranho, pois estávamos a caminho do terminal rodoviário, a estação Jabaquara... E nesse caso, é mais comum descerem pessoas do que subirem... Mas dos que entraram, ninguém interferiu que nos víssemos – o cello e eu... Naquele meio em que muitos se acotovelavam à procura de um espaço, Ela e Ele pareciam seres de outra dimensão...
Visíveis, nessa condição, somente para mim...
Alguns dos que estavam sentados, dormiam de babar pelo canto da boca... Outros absortos em seus pensamentos olhavam o nada que passava velozmente pelas janelas... Outros tantos liam e só eu observava aquele ser sublime e sem rosto, encoberto por umacaixinha musical angelical gigante...
Sinceramente, quem parecia exalar notas musicais não era o instrumento... Naquele momento, era a moça... Ela, sim, estava em sintonia de sinfonias inaudíveis para ouvidos comuns – insensíveis a sua sonoridade...
Quando, por fim, levantou-se, tive a sensação
de dor pela perda de algo fugaz, mas muito revelador... Levantou como quem volita entre os deuses... Ninguém a impediu de passar ou a tocou nem num esbarrão... Como se a reverenciassem na sua descida de passagem livre feita por um corredor de pessoas... Sua música já era um pedido de licença?...
Flutuou até a porta carregando com a mesma leveza e suavidade o seu amado cello... Sumiu entre a multidão para nunca mais ser vista... Mas quem sabe para ser só e somente ouvida...
Andreia Cunha
Andreia Cunha
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